Norganth & Malrog, mais uma contribuição de 500 palavras
Norganth & Malrog
Estão frente a frente. Caídos no solo onde assenta finalmente a poeira, reveladora de um cenário trágico. Milhares de corpos mutilados tingem de vermelho as gramíneas repisadas e atraem os escaravelhos necrófagos. Um conluio de grifos sobrevoa as estepes em redor da carne fresca.
Norganth & Malrog
Olham-se num vagaroso silêncio, derrotados pelo cansaço que os unifica. Na espada de Norganth escorre a fatalidade do inimigo. O olhar de Malrog esvai-se lentamente, enquanto as golfadas de sangue se evadem da jugular e sugam-no para um abismo desconhecido. Mas dos seus lábios exangues fremem-se umas palavras enrodilhadas na expectoração sanguínea. Norganth inclina-se com esforço sobre o peito de Malrog, tentando escutar as últimas palavras do homem a quem desferiu o último golpe.
Malrog diz “Vai-te. Tu venceste, não percas mais tempo com os mortos”. Norganth aquiesce, baixando a sua cabeça complacente, respeitando a morte do ódio que alimentou durante toda a sua vida. Malrog esboça ainda a intenção de proferir uma última frase.
- Norganth… honra a minha morte… casa-te com a minha mulher… adopta os meus filhos…
Norganth sorri-lhe, mas atrás do seu semblante sereno não contém a comoção. Do olhar mortiço de Malrog parece esboçar-se quase um sorriso, na expectativa da resposta. Norganth inspira fundo, buscando a coragem nos grifos que voam bem alto. Um oceano em turbulência debruça-se do seu olhar, como se no peito de Norganth ascendesse um mar em violenta ebulição. Por fim murmura, ao ouvido de Malrog.
- Impossível… pois também tenho um pedido a fazer-te… Esse sítio para onde vais, hás-de encontrar uma mulher que me procura… diz-lhe que apenas vivo deste lado os dias que me restam e anseio reunir-me com ela… diz-lhe que hoje… que hoje, mais uma vez, falhei.
E esta última palavra foi já proferida com uma voz rouca de emoção. Norganth abandona-se sobre o chão manchado de sangue, num choro convulsivo e insano. Mas as suas palavras já não terão sido ouvidas por Malrog. O olhar baço do inimigo, fixo no infinito, finalmente abandonara-o.
Decidido, Norganth ergue-se devagar no desolador campo de batalha. Está completamente só. Esta vitória épica foi, afinal, mais uma vitória da sua solidão. Mais uma vez entregue aos seus passos vagabundos e incertos, condenado a um mundo de fantasia. O bando de grifos famintos desceu finalmente sobre os cadáveres. Mas na linha do horizonte, A silhueta de uma outra rapina paira solitariamente sobre as estepes. Norganth olha-a profundamente e uma nova força volta a tomar-lhe conta dos braços. Agarra na espada com a sua mão vigorosa e caminha na direcção do horizonte, na direcção da rapina.
“JOÃO! JOÃO VEM APAGAR AS VELAS!”
São as vozes que surgem em uníssono da sala, perturbando o estado hipnótico de João, trazendo-o à superfície. “Norganth” é agora apenas um nickname escrito num ecrã branco, frio, vazio. E ele grita “Já vou!”. Desconecta-se da Internet e ergue-se na cadeira. Afinal, ainda ninguém morreu na sua vida. Ele próprio vai fazer 30 anos e ainda não matou ninguém.
13 de Fevereiro de 2005,
Der Igel
Estão frente a frente. Caídos no solo onde assenta finalmente a poeira, reveladora de um cenário trágico. Milhares de corpos mutilados tingem de vermelho as gramíneas repisadas e atraem os escaravelhos necrófagos. Um conluio de grifos sobrevoa as estepes em redor da carne fresca.
Norganth & Malrog
Olham-se num vagaroso silêncio, derrotados pelo cansaço que os unifica. Na espada de Norganth escorre a fatalidade do inimigo. O olhar de Malrog esvai-se lentamente, enquanto as golfadas de sangue se evadem da jugular e sugam-no para um abismo desconhecido. Mas dos seus lábios exangues fremem-se umas palavras enrodilhadas na expectoração sanguínea. Norganth inclina-se com esforço sobre o peito de Malrog, tentando escutar as últimas palavras do homem a quem desferiu o último golpe.
Malrog diz “Vai-te. Tu venceste, não percas mais tempo com os mortos”. Norganth aquiesce, baixando a sua cabeça complacente, respeitando a morte do ódio que alimentou durante toda a sua vida. Malrog esboça ainda a intenção de proferir uma última frase.
- Norganth… honra a minha morte… casa-te com a minha mulher… adopta os meus filhos…
Norganth sorri-lhe, mas atrás do seu semblante sereno não contém a comoção. Do olhar mortiço de Malrog parece esboçar-se quase um sorriso, na expectativa da resposta. Norganth inspira fundo, buscando a coragem nos grifos que voam bem alto. Um oceano em turbulência debruça-se do seu olhar, como se no peito de Norganth ascendesse um mar em violenta ebulição. Por fim murmura, ao ouvido de Malrog.
- Impossível… pois também tenho um pedido a fazer-te… Esse sítio para onde vais, hás-de encontrar uma mulher que me procura… diz-lhe que apenas vivo deste lado os dias que me restam e anseio reunir-me com ela… diz-lhe que hoje… que hoje, mais uma vez, falhei.
E esta última palavra foi já proferida com uma voz rouca de emoção. Norganth abandona-se sobre o chão manchado de sangue, num choro convulsivo e insano. Mas as suas palavras já não terão sido ouvidas por Malrog. O olhar baço do inimigo, fixo no infinito, finalmente abandonara-o.
Decidido, Norganth ergue-se devagar no desolador campo de batalha. Está completamente só. Esta vitória épica foi, afinal, mais uma vitória da sua solidão. Mais uma vez entregue aos seus passos vagabundos e incertos, condenado a um mundo de fantasia. O bando de grifos famintos desceu finalmente sobre os cadáveres. Mas na linha do horizonte, A silhueta de uma outra rapina paira solitariamente sobre as estepes. Norganth olha-a profundamente e uma nova força volta a tomar-lhe conta dos braços. Agarra na espada com a sua mão vigorosa e caminha na direcção do horizonte, na direcção da rapina.
“JOÃO! JOÃO VEM APAGAR AS VELAS!”
São as vozes que surgem em uníssono da sala, perturbando o estado hipnótico de João, trazendo-o à superfície. “Norganth” é agora apenas um nickname escrito num ecrã branco, frio, vazio. E ele grita “Já vou!”. Desconecta-se da Internet e ergue-se na cadeira. Afinal, ainda ninguém morreu na sua vida. Ele próprio vai fazer 30 anos e ainda não matou ninguém.
13 de Fevereiro de 2005,
Der Igel
4 Comments:
Eu gostei imenso da ideia por tras da tua historia. Teria gostado bem mais se a linguagem nao fosse tao barroca...mas mesmo assim, parabens
By Anonymous, at 10:25 PM
gostei!
João não matou ninguém e será que "deu" vida a alguém?!
By Ana João, at 10:45 PM
Conseguiste manter-me em suspense até ao fim do texto :) onde começa e acaba a ilusão e aparência da internet? por vezes o melhor é desligarmo-nos deste mundo virtual e entregarmo-nos ao mundo real que espera por nós...
abraço
By Eduarda Sousa, at 10:55 AM
Também gostei imenso da história. Ilustra muito bem as dimensões de fantasia que existem dentro de cada um de nós, o que pode ser bem patético, às vezes. Mas já dizia o Desmond Morris, que estes jogos e coisas do género existem para satisfazer o instinto humano que apela à agressão e à territorialidade... Será?
By smallworld, at 10:10 PM
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