Luz e Sombra

Friday, February 11, 2005

Quero morrer nas tuas mãos; 500 palavras para um blog, by Der Igel

Quero morrer nas tuas mãos
Hoje, antes que partas. Quero ser hoje nas tuas mãos toda esta saudade do que já fomos sem termos ainda sido. Ser o cheiro dos lugares que nunca antes visitámos juntos, qual castigo de sermos tarde um para o outro, qual criança prematura votada ao abandono, qual cão sem dono, a nossa relação. Por tão bonita, por tão me dar e tu te dares. Assim. Simplesmente assim. Saudade, esta, de me alugares a tua cama, o teu pijama, onde eu sorva o mosto do silêncio que ficou quando te foste. Restou o rosto, onde cá vivem Julieta e Romeu, Adónis e Afrodite, tu e eu, e quantos mais como nós. Tragédia esta, de sermos tão frágeis, tão humanos. Miséria esta, ferroada nas nossas veias com a dor de um crucifixo, seres sufixo de tudo o que sou e que não possuo. Flutuo assim, nos anéis da espiral que me leva longe, até longe de seres possível. É indizível esta sensação de te perder em ter-te. E nada disto deveria ser, nada disto deveria dizer-te. Perdoa-me este lado daquilo que não te digo. Vê como um castigo que imponho aos sonhos onde te ponho a navegar, num mar turbulento que nos separa mas que te traz de encontro ao nosso destino, seja ele qual for. Vou querer-te bem, sempre, meu amor, porque te estimo para além do entrelaçar destes dedos que são os nossos. Para além dos sóis que se deponham e dos ossos que se encurvem, para além daquela nuvem que sombreia este último olhar com que nos olhamos. Amar-te é ler-te em livros que já foram teus, sublinhar as palavras que sublinhaste, marcar as páginas que marcaste. Amar-te é beber a água pelo teu copo, como se bebesse o teu corpo. Amar-te é ficar no lugar onde partiste e assegurar-te que estarei aqui todos os dias, a homenagear este sol com que me deixaste, a abençoar todos os beijos que me deste, a cuidar do bem que me fizeste. Juro-te, serei infiel a todos os desejos do meu corpo e deixarei ir-te, para que te soltes. E acolher-te mesmo que não voltes. Mas amar-te é também sair de casa e voltar à vida, com o sorriso que floresce nas pequenas coisas. É olhar-me num relance e ver um belo Homem, desejando aos namorados que se queiram e que se amem. E como Homem viverei quantos caminhos houver para percorrer, deixando a criança ir e correr a partilhar contigo uma vida, a querer envelhecer contigo, a querer ser eu e tu num sonho juntos. E sermos tudo, e sermos tanto em tão pouco e cabermos em tudo. Deixa-me cobrir-te com este manto enquanto esperamos pela tua partida. Deixa-me deitar-me no teu colo, deleitar-me no teu rosto.
Não. Hoje não quero morrer nas tuas mãos, antes que partas. Quero antes ser nas tuas mãos toda esta verdade do que já somos sem termos sido ainda tudo o que vamos ser.
Tu partes. Eu fico. Vamos viver.

10 de Fevereiro de 2005,
Der Igel

2 Comments:

  • então já te levantas-te? boa...
    continuo a ler-te, continuo a aprender contigo, continuo a sorver todas as tuas palavras, continuo a acompanhar-te...
    beijinho

    By Blogger Eduarda Sousa, at 4:17 PM  

  • Que lindo poema de amor. Porque é que a tristeza nos parece sempre tão bela? Mas nem é assim tão triste, na verdade. É alegre, daquela forma estranha que a tragédia às vezes tem de ser alegre. Quem fica tem de viver, e vivendo, fazer jus à memória de quem foi.

    By Blogger smallworld, at 11:09 PM  

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