Desafio Parte II: Pressão... (Parte II) por Lua de Inverno
Caros amigos,
É com prazer e muita emoção que vos apresento a resposta da Lua de Inverno a esta primeira sessão do DP2 (Desafio Parte II, poistáclaro!)
A nossa amiga lunar está a viver um eclipse algo complicado e doloroso, mas, como é apanágio deste fenómeno celeste, quando as dificuldades de apartarem, o seu brilho retornará ainda mais ofuscante e poderoso.
Que a sombra não tarde mais em te cobrir
Os nossos melhores desejos de melhoras,
Der Uberlende
agora o texto, e ainda por cima em formato D500 :)
Pressão... (Parte II)
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino! Tinhas 40 anos. Idade suficiente para ter uma família e uma vida arranjada. E escolheste-me entre inúmeros gatinhos deixados intencionalmente num caixote perto de tua casa. Senti o calor do teu olhar e senti que esse calor era só meu, de mais ninguém. Terás percebido então que eu era mais do que uma simples gata? Terás percebido então que havia mais em mim do que pêlo e olhos sedutores? Porque dirigiste a tua mão a mim e não a algum dos outros?
Vejo-te agora, talvez com o mesmo calor no olhar. Talvez porque estás tão abandonado como eu estava quando me tiraste do caixote. O bebé da vizinha continua a berrar e o carro da polícia já enche a rua de clarões azuis, frenéticos como o sangue que jorra impaciente da tua cabeça. O copo meio-cheio (ou meio-vazio?) de uma qualquer bebida permanece ao teu lado. Bem como a caçadeira. Nunca imaginei ver-te assim. Sem uma ponta de dignidade, vencido pela minha ausência e pela tua morte antes do suicídio. Sim, porque já tinhas morrido. E não suportaste estar morto e vivo ao mesmo tempo, muito menos sem mim.
Terás percebido como eu te amava? Como desejava poder arrancar o pêlo e sair de lá, mulher castigada pelo destino, e abraçar-te até à eternidade? Terás percebido que a minha vida fora da tua (nossa?) casa não era mais do que um escape? Como odiava estar contigo – amar-te e estar aprisionada dentro do corpo de um animal. Por isso fugia. Por isso corria desenfreadamente. Por isso me precipitei naquele dia para baixo de um carro e nunca mais pude voltar para junto de ti. Agora vejo-te aqui de cima, deste limbo, e espero-te numa forma que poderás agora compreender. E (quem sabe?) amar.
Não tinhas que ter feito isto, sabes? Eu continuaria a acompanhar-te nas madrugadas de insónia, continuaria a acarinhar-te como merecias e a aceitar-te na tua perfeita imperfeição. Só tu não te aceitavas. Agora tenho de me concentrar na tua imagem destroçada e puxar a tua alma para mim (virás para o meu lado?), tenho de te dar força para não morreres completamente.
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino… fora eu mulher e teríamos sido felizes até aos 100 anos. Sem exigir mais, sem pedir mais, porque sempre chegámos e nunca sobrámos um para o outro, e assim seria até ao fim das nossas vidas.
Tens 51 anos… Pareces ter o dobro. E sentias-te velho desde a minha morte. Quem me dera ter mudado isso. Quem me dera ter aberto as tuas pálpebras teimosas para a beleza do mundo, para a insignificância da minha ausência física. Quem me dera que tivesses encontrado uma mulher que te conseguisse dar o comprimento certo de trela (nem demasiado curta, nem demasiado longa) para que te sentisses completo. Eu seria feliz por te ver feliz. Mas tu nunca encontraste, porque só eu te estava destinada…
Devias ter sabido… eu era tua… serei sempre tua… Ah!, maldito, maldito destino!
21 de Maio de 2005,
Lua de Inverno
É com prazer e muita emoção que vos apresento a resposta da Lua de Inverno a esta primeira sessão do DP2 (Desafio Parte II, poistáclaro!)
A nossa amiga lunar está a viver um eclipse algo complicado e doloroso, mas, como é apanágio deste fenómeno celeste, quando as dificuldades de apartarem, o seu brilho retornará ainda mais ofuscante e poderoso.
Que a sombra não tarde mais em te cobrir
Os nossos melhores desejos de melhoras,
Der Uberlende
agora o texto, e ainda por cima em formato D500 :)
Pressão... (Parte II)
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino! Tinhas 40 anos. Idade suficiente para ter uma família e uma vida arranjada. E escolheste-me entre inúmeros gatinhos deixados intencionalmente num caixote perto de tua casa. Senti o calor do teu olhar e senti que esse calor era só meu, de mais ninguém. Terás percebido então que eu era mais do que uma simples gata? Terás percebido então que havia mais em mim do que pêlo e olhos sedutores? Porque dirigiste a tua mão a mim e não a algum dos outros?
Vejo-te agora, talvez com o mesmo calor no olhar. Talvez porque estás tão abandonado como eu estava quando me tiraste do caixote. O bebé da vizinha continua a berrar e o carro da polícia já enche a rua de clarões azuis, frenéticos como o sangue que jorra impaciente da tua cabeça. O copo meio-cheio (ou meio-vazio?) de uma qualquer bebida permanece ao teu lado. Bem como a caçadeira. Nunca imaginei ver-te assim. Sem uma ponta de dignidade, vencido pela minha ausência e pela tua morte antes do suicídio. Sim, porque já tinhas morrido. E não suportaste estar morto e vivo ao mesmo tempo, muito menos sem mim.
Terás percebido como eu te amava? Como desejava poder arrancar o pêlo e sair de lá, mulher castigada pelo destino, e abraçar-te até à eternidade? Terás percebido que a minha vida fora da tua (nossa?) casa não era mais do que um escape? Como odiava estar contigo – amar-te e estar aprisionada dentro do corpo de um animal. Por isso fugia. Por isso corria desenfreadamente. Por isso me precipitei naquele dia para baixo de um carro e nunca mais pude voltar para junto de ti. Agora vejo-te aqui de cima, deste limbo, e espero-te numa forma que poderás agora compreender. E (quem sabe?) amar.
Não tinhas que ter feito isto, sabes? Eu continuaria a acompanhar-te nas madrugadas de insónia, continuaria a acarinhar-te como merecias e a aceitar-te na tua perfeita imperfeição. Só tu não te aceitavas. Agora tenho de me concentrar na tua imagem destroçada e puxar a tua alma para mim (virás para o meu lado?), tenho de te dar força para não morreres completamente.
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino… fora eu mulher e teríamos sido felizes até aos 100 anos. Sem exigir mais, sem pedir mais, porque sempre chegámos e nunca sobrámos um para o outro, e assim seria até ao fim das nossas vidas.
Tens 51 anos… Pareces ter o dobro. E sentias-te velho desde a minha morte. Quem me dera ter mudado isso. Quem me dera ter aberto as tuas pálpebras teimosas para a beleza do mundo, para a insignificância da minha ausência física. Quem me dera que tivesses encontrado uma mulher que te conseguisse dar o comprimento certo de trela (nem demasiado curta, nem demasiado longa) para que te sentisses completo. Eu seria feliz por te ver feliz. Mas tu nunca encontraste, porque só eu te estava destinada…
Devias ter sabido… eu era tua… serei sempre tua… Ah!, maldito, maldito destino!
21 de Maio de 2005,
Lua de Inverno
5 Comments:
Uma das contribuições mais originais para este desafio!
esta é que jamais me passou pela cabeça. Chiça, tens mesmo imaginação e mais do que isso: criatividade!
espero que voltes depressa Lua de inverno. Fazes muita falta por cá!
beijinho
By Eduarda Sousa, at 1:42 PM
Também nunca me passou pela cabeça esta abordagem. Fez-me lembrar um pouco os episódios da Sabrina cujo gato era um homem aprisionado e condenado. Gostei muito. Principalmente da emotividade que a narradora demonstra. Muito bonito.
Beijo*
By SweetSerenity, at 9:19 PM
muito bem pensado!
By paulo, at 2:21 PM
gostei, gostei muito :) uma abordagem completamente diferente, a mais original provavelmente, fiquei a pensar em como seria bom que dpois de morto, as suas "almas" se pudessem reencontrar sob uma qualquer forma abstracta que os permitisse amarem-se como iguais, como deve ser.. enfim.. adoraria mesmo que isso acontecesse... e quem me diz que nao aconteceu? a historia ficou em aberto, cabe a cada um dar-lhe o seu fim.. eu dou-lhe esse :) o amor eterno de duas almas que encontraram na morta a possibilidade de finalmente se amarem em pleno.
["pêlo e olhos sedutores" tá tão perfeita esta descriçao :) nao ignorando os outros grandes aspectos que definem a nossa afinidade com gatos]
By Perséfone, at 12:30 PM
De facto nunca encaminharia a estória por este caminho.
Encrizilahadas e incompreensões que nos cruzam e confundem criando barreiras que sendo humanos parecemos, todos, de outra espécie ou sistema estrelar; e, contudo, tão pertos que apenas o 'esticar' do coração nos poderia levar a uma qualquer metamorfose que nos colocaria meta-físicamente fora de nós próprios (solipsismo) e ligados ao outros, como o ser humano deve ser (comunicação).
Gostei
By Anonymous, at 1:07 PM
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