Luz e Sombra

Friday, July 29, 2005

Quando era criança gostava muito de contos de fadas de príncipes e princesas encantadas (o meu pai levava-me ao cinema para ver os filmes de desenhos animados do Walt Disney como; “A Branca de Neve” “A Bela Adormecida” e outros); mal eu sabia (só descobri em idade adulta adiantada) que era a representação simbólica de certos conhecimentos ocultos inscritos nas diferentes tradições filosóficas/espirituais do nosso mundo.
Portanto, gostei bastante de escrever esta pequeno texto; onde falo dos espíritos da natureza (os duendes ou elfos de luz), como antigos sábios os designavam, e que são de uma forma simbólica (e que pode ser observado do ponto de vista de uma ecologia profunda) aquilo que a Ciência designa (felizmente cada vez mais minuciosamente nesta e noutras vertentes do conhecimento), por partículas e sub-partículas da substância que compõem “invisivelmente” os Elementos da Terra, da Água, do Ar e do Fogo.

Vou de férias por uns tempos, tão cedo não volto a massacrá-los!?

Quando regressar vou tentar corresponder ao desafio. Não sei conseguirei fazê-lo...

Sonho Em Dia de Verão



A custo chegou finalmente ao topo da falésia. A segurança e a confiabilidade daquele local nunca encontrara em lado algum. Sentou-se tão confortável quanto as pedras duras o permitiam e, com a mesma comoção de sempre, lançou o olhar sobre a majestosa imensidão do oceano; inspirou a serenidade do azul do céu e imaginou-se uma da gaivota voando liberta dos grilhões que a prendiam à terra; o que contrastava com a agitação febril da multidão que se acotovelava na praia, procurando o melhor lugar ao sol, como se desconhecesse o rumo a dar as suas vidas.

Desde que conhecera aquele local, num dos seus passeios de enriquecedora solidão, este, ensinara-lhe, a interpretar no seu quotidiano, os grandes acontecimentos mundiais e individuais, como se os visionasse do cimo da falésia, e não com a visão estreita, de quem olha através de um funil, cuja pequena abertura só permite vislumbrar o limitado e o imediato, sem perceber as causas desses acontecimentos, onde, normalmente, todos, de dedo em riste, apontam culpados, esquecendo que, neste gesto insano, três dedos estão dirigidos para si próprios; sem a noção de que, todos e cada um, neste emaranhado de causas e efeitos, somos co-responsáveis.

Naquele lugar de retiro abençoado, a pouco e pouco, iniciava, uma comunhão solidária com tudo que a rodeava, como se fosse feita da substância do sol, dentro de si ecoassem o murmúrio das ondas, e a cor da sua alma fosse dourada como a luz que a aquecia. Era como se estivesse a descansar no reconfortante regaço de quem a gerara. E, nesta absoluta tranquilidade, mergulhou os olhos na paisagem que a rodeava: - Viu uma mulher na praia angustiada à procura do filho que correra atrás de uma bola, ignorando, que a criança estava um pouco mais à frente; um casal jovem encontrara, num recanto de umas rochas, o lugar ideal para trocar afagos, e, na sua felicidade, nem davam conta que a maré estava a subir; um praticante de wind-surf, ultrapassando o limite do bom senso, desviara-se excessivamente da praia, não se apercebendo, que a mudança das correntes marítimas, uns metros mais à frente, o impediriam de voltar em segurança; um pequena embarcação de pesca artesanal, parou repentinamente a sua faina, num respeito amedrontado, quando avistou um gigantesco porta-aviões que se deslocava quase na linha do horizonte.

Todos estes indivíduos, naquele diminuto universo, passavam por momentos de felicidade, tristeza ou embaraço; desconheciam-se, e, no entanto, o porta-aviões, com os seus sofisticados aparelhos de radar, não abalroaria o pequeno barco pesqueiro; este, poderia salvar o surfista em apuros, e assim, sucessivamente, numa contínua e ininterrupta interacção entre todos estes seres até ao impensável, mas todos, todos, vivificados pela regeneradora energia Solar, como se cada um fosse um raio de luz desse grandioso Deus da Abundância. Então... então...o seu coração quase parou... e toda a Natureza consigo ficou suspensa, com aquela extraordinária descoberta... Os gnomos, expectantes, que esforçadamente trabalhavam a escassa terra que havia no cimo daquele monte rochoso, detiveram-se no seu labor; as ondinas que dançavam sobre as minúsculas lagoas que se formavam quando a maré recuava, suspenderam o seu incessante bailado; as salamandras que estavam prestes a despontar através de uma pequena pedra vidrada sobreaquecida pelo portentoso calor do sol, acautelaram-se; os silfos que compunham a suave brisa que brincava com os seus cabelos, emudeceram; as ervas rasteiras que arduamente brotavam das rochas e, teimosamente queriam ser flores, adiaram esse desejo; os caranguejos que passeavam nas rochas com o seu estranho andar pararam desorientados. Então... então... se o Sol era a Fonte de toda a vida, eram todos pequenas unidades de vida com as suas peculiares formas, cores e sons, dentro daquela Vida Maior! Eram todos Um! Apeteceu-lhe correr ravina abaixo e avisar os que estavam na praia sobre esta verdade revelada para que a fizessem constar... mas estacou... os duendes em coro com os demais, segredaram-lhe que não o fizesse... seria considerada louca... Os homens pensavam-se muito importantes, ainda não estavam preparados para as grandes verdades; eram raros os que estavam dispostos a partilhar algo das suas afuniladas vidas; a transparente evidência que havia uma Vida comum, parecer-lhes-ia maléfica; a noção que eram pequenas e frágeis células, dentro de uma ordem cósmica num Ser Maior sem o seu tolo consentimento, causar-lhes-ia frustração; e a violência, a raiva, a guerra, o ódio, a intolerância recrudesceria. Eram-lhes incompreensível a ideia que constituíam como um todo, uma única Unidade de Vida, que se multiplicara em muitos, devido a uma necessidade misteriosa de origem inatingível; era-lhes por enquanto inacessível a percepção, de que, quando faziam mal ao próximo, faziam-no a si próprios, e quando praticavam o bem, era-lhes igualmente devolvido. Tristemente anuiu.

Mas, a alegria era geral... o coração batia aceleradamente parecendo não aguentar tão prodigiosa revelação. Os gnomos fizeram várias piruetas de contentamento antes de continuarem na terra o seu diligente trabalho; as ondinas num ritmo nunca visto, iniciaram a sua dança interminável sobre as águas; as salamandras retiraram-se para outro local, onde as suas irmãs do fogo andavam muito activas; os silfos do ar, desprenderam-se do seu cabelo, continuando a ser brisa, aguardando para mais tarde a vontade de ser vento; as ervas ficaram mais decididas a um dia ser flor; os caranguejos retomaram o seu andar azarado, em obediência com o que a Mãe Natureza, por ora, lhes reservara; e o Sol imponente, no seu altar de Luz, a todos abençoava com a sua força de vitalizadora sem descriminar, soubessem ou não aqueles entes da sua verdadeira natureza.

Juntou as mãos e fez uma vénia de agradecimento ao Astro-Rei, que declinava no horizonte para ir iluminar outras paragens; tinha-lhe sido proporcionado um venturoso sonho em consciente estado de vigília. Desceu cuidadosamente a ravina de pedra, e, enaltecida por aquela transcendente certeza que desabrochara dentro de si... sabia... sim, sabia... que um dia, todos teremos almas de gaivota e, cada um, no tempo certo, voará em direcção à Infinidade de Ser.


24/Julho/ 2005

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