Carta de Refugiado - 500 palavras
Mais um contributo de noiseformind para o desafio 500 palavras. Muito obrigado, é com grande prazer que o publico aqui...
Caro Doutor,
Esta é a terceira vez que comunico consigo, e a última foi já há muito tempo, por isso não espero que se lembre. Mas para resumir muito, digamos apenas que sou um mentiroso patológico que enjoou da sua vida aí pelo povoado D’El Rey e para fugir ao suicídio (que aliás, é crime ; ) ) me deslocalizei aqui para o Japão (ninguém me pode acusar de o ter feito para cortar nos custos, dado que a vida aqui é muito mais cara). E aqui encontrei uma comunidade de refugiados ocidentais, alguns vivendo de quase nada mas cravando os que vivem com muito. Estamos quase todos situados em Tóquio (pois, grande cliché, eu sei), quase todos trabalhámos em “Iguich’is” que basicamente são empresas que beneficiam de apresentarem ocidentais na fachada, tais como empresas de marketing, hotéis, restaurantes ocidentais, etc etc etc. Pode-lhe parecer extremamente estranho, mas é um facto: aqui podemos ter um emprego só pelo simples facto de sermos “gaij’in”. Eu não vou mentir, tirando o sexo e a leitura, não tenho sido uma parte muito activa desta comunidade estranja. Tipo… passei tantos anos a fazer negócios ilegais, a enganar meio-mundo para agora fazer o q… trabalhar? Não… nem pensar… lamento imenso não ser íntegro, lamento imenso não ter vontade de contribuir para o bem do mundo, o mundo de certeza que não contribui para o meu. Mas estou a tentar mudar. Tipo… já tenho um emprego em part-time num hotel, organizo os jantares nas salas VIP de um Hotel aqui na Zona Alta de Tóquio, chamado Kyoshubi (que basicamente quer dizer “jardim” mas que é sinónimo de “melro” dado que os melros são as aves que “tratam” dos jardins, daí que melro é sinal de jardineiro com outra entoação) e estranhamente, sendo um dos hotéis mais japoneses do Japão TODAS as salas VIP são decoradas segundo o padrão e o gosto estrangeiro. É um trabalho que dá algum dinheiro, pode-lhe parecer muito (cerca de 8000 euros) mas aqui em Tóquio isso dá para ter um T0, passe social, alguma vida social e pagar uns espectáculos de 2ª categoria. A comunidade estrangeira com que me dou melhor é a que é maioritariamente constituída pelos europeus de Leste, normalmente moscovitas que vieram por via de contactos com empresários japoneses que conheceram em estabelecimentos de diversão nocturna lá na terra deles (vulgo strip-clubs). Gosto deles porque normalmente as histórias deles têm uma inevitabilidade que se aproxima bastante da minha própria. Tipo, mais inevitável do que simplesmente desaparecer do mapa, algures entre o Brasil e a América, deixando a família, 3 namoradas e toda a gente que se conhece para trás não deve existir muito quem não é? Mas pronto, a vida aqui é razoável, dentro do possível, tirando a chuva, eu detesto chuva, odeio chuva e ela aqui não pára de cair. A sério Doutor, se não gosta de chuva não venha a Tóquio, Não pára de cair sobre nós seres humanos… sofrimento
Com um abraço me despeço,
Luís
1 Comments:
Há algo que me remete para a ambiência techno-squizo do Blade Runner no teu texto. O que é excelente, pois é um dos meus filmes favoritos! Obrigado pela tua contribuição, espero que não percas a embalagem! ;)
By Der Überlebende, at 11:02 PM
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