Três poemas - 500 palavras
O primeiro email que recebi da Marta era tremendamente depressivo. Em primeiro lugar porque não a conhecia de lado nenhum e depois por causa da súplica de ajuda que me pedia desesperadamente. Passo a transcrever um dos primeiros poemas que me enviou,
Desabafo
Detesto a Terra
Queria ir-me embora e nunca mais voltar
A vida só me dá vontade de vomitar
Vocês sabem que eu tenho razão
Afastem-se de mim
Preciso de espaço para respirar
As coisas nunca estiveram tão mal
Tenho a sensação que estou prestes a sufocar
Fui apanhada de surpresa, não sabia muito bem como reagir!. Com toda a calma e displicência que me foi possível tentei responder imediatamente enviando palavras de força e esperança. Mas com a Marta os clichés não funcionavam. Estava no fim do poço, bem lá no fundo e parecia-me impossível ajudá-la a subir tal era o desespero e tristeza. Como é que uma pessoa se pode deixar cair neste estado? Começamos a trocar emails mas muito espaçadamente. A Marta não acreditava muito na minha existência virtual. Tentei marcar um encontro mas eu morava no Norte e ela no Sul, e foi impossível pelo menos nos primeiros tempos. Depois passámos a falar ao telefone. Geralmente a Marta telefonava-me quando estava completamente desesperada e com ideias suicidas. Eu tentava ouvi-la e compreendê-la sossegadamente, dando-lhe palavras de esperança e principalmente companhia, mostrar-lhe que não estava sozinha, eu estaria ali sempre que precisasse nem que fosse para ouvir o seu silêncio Mas os problemas da Marta mal tinham começado... Primeiro foi a depressão que trouxe a anorexia e depois esta trouxe a auto-mutilação. Um dos poemas que me enviou na fase da anorexia foi,
Anorexia
Logo ao levantar
O corpo começa a fraquejar
De uma noite mal dormida
O estômago já só aguenta a cafeína
Pêlos arrepiados evidenciam o frio sempre presente
Tento abrir a boca petrificada
Mas este corpo quase sem vida já só respira
Os livros e o computador são a minha única companhia
Não tenho mais forças para lutar
Pois já não consigo dominar
Este corpo transformado em cadáver
Perdi os amigos e a felicidade
Agora só me acompanha a dificuldade
Em acreditar que ainda estou viva
Que m**** é esta que me persegue?
Uma das fases mais difíceis por que passou foi quando se começou a cortar com o x-acto nos braços e pulsos. “Foi tão bom E., acabei de tirar o peso todo de cima dos ombros, deitei-me a chorar mas interiormente sorri aliviada”. Passaram-se mais ou menos dois anos até que finalmente me consegui encontrar com ela. Abraçamo-nos efusivamente, até então estivemos geograficamente longe mas emocionalmente muito perto. Conversámos longamente durante dias, conhecemo-nos melhor... Entretanto, um dos últimos poemas que me enviou,
Eu adoro todas as coisas
Amo a minha caneta
Amo os meus amigos
Amo as pessoas
Amo os animais
Amo as flores
Amo os livros
Amo aquilo que os meus olhos vêem
Só assim
Dando-me e amando a humanidade
Me amo a mim
E engrandeço a minha personalidade
6 Comments:
Três poemas que retratam o caminho percorrido por muitas pessoas, às vezes mesmo ao nosso lado sem nos apercebermos. Infelizmente, nem todas conseguem chegar à conclusão a que a Marta chegou no terceiro poema. Uma história com final feliz!! Beijinhos
By smallworld, at 5:14 PM
o que a dedicação, o tempo que se dedica a outrém, as formas como mostramos que gostamos da outra pessoa...esse abraço sentido, podem fazer a alguém! a Marta ficou melhor e mais feliz,mas tu, que a judaste, também...ou não?! :)
By Ana João, at 5:36 PM
Os meus parabéns, menina. Ajudaste uma vida a sentir gosto pela pessoa. E uma pessoa a amar a vida. Salvaste a vida, a pessoa e muitas relações de amizade. Parabéns. Louvavel.
By Joana, at 11:35 PM
500 palavras contadas pelo Word... Carta de refugiado
Caro Doutor,
Esta é a terceira vez que comunico consigo, e a última foi já há muito tempo, por isso não espero que se lembre. Mas para resumir muito, digamos apenas que sou um mentiroso patológico que enjoou da sua vida aí pelo povoado D’El Rey e para fugir ao suicídio (que aliás, é crime ; ) ) me deslocalizei aqui para o Japão (ninguém me pode acusar de o ter feito para cortar nos custos, dado que a vida aqui é muito mais cara). E aqui encontrei uma comunidade de refugiados ocidentais, alguns vivendo de quase nada mas cravando os que vivem com muito. Estamos quase todos situados em Tóquio (pois, grande cliché, eu sei), quase todos trabalhámos em “Iguich’is” que basicamente são empresas que beneficiam de apresentarem ocidentais na fachada, tais como empresas de marketing, hotéis, restaurantes ocidentais, etc etc etc. Pode-lhe parecer extremamente estranho, mas é um facto: aqui podemos ter um emprego só pelo simples facto de sermos “gaij’in”. Eu não vou mentir, tirando o sexo e a leitura, não tenho sido uma parte muito activa desta comunidade estranja. Tipo… passei tantos anos a fazer negócios ilegais, a enganar meio-mundo para agora fazer o q… trabalhar? Não… nem pensar… lamento imenso não ser íntegro, lamento imenso não ter vontade de contribuir para o bem do mundo, o mundo de certeza que não contribui para o meu. Mas estou a tentar mudar. Tipo… já tenho um emprego em part-time num hotel, organizo os jantares nas salas VIP de um Hotel aqui na Zona Alta de Tóquio, chamado Kyoshubi (que basicamente quer dizer “jardim” mas que é sinónimo de “melro” dado que os melros são as aves que “tratam” dos jardins, daí que melro é sinal de jardineiro com outra entoação) e estranhamente, sendo um dos hotéis mais japoneses do Japão TODAS as salas VIP são decoradas segundo o padrão e o gosto estrangeiro. É um trabalho que dá algum dinheiro, pode-lhe parecer muito (cerca de 8000 euros) mas aqui em Tóquio isso dá para ter um T0, passe social, alguma vida social e pagar uns espectáculos de 2ª categoria. A comunidade estrangeira com que me dou melhor é a que é maioritariamente constituída pelos europeus de Leste, normalmente moscovitas que vieram por via de contactos com empresários japoneses que conheceram em estabelecimentos de diversão nocturna lá na terra deles (vulgo strip-clubs). Gosto deles porque normalmente as histórias deles têm uma inevitabilidade que se aproxima bastante da minha própria. Tipo, mais inevitável do que simplesmente desaparecer do mapa, algures entre o Brasil e a América, deixando a família, 3 namoradas e toda a gente que se conhece para trás não deve existir muito quem não é? Mas pronto, a vida aqui é razoável, dentro do possível, tirando a chuva, eu detesto chuva, odeio chuva e ela aqui não pára de cair. A sério Doutor, se não gosta de chuva não venha a Tóquio, Não pára de cair sobre nós seres humanos… sofrimento
Com um abraço me despeço,
Luís
By noiseformind, at 3:30 AM
Obrigado por todos os comentários!
Só quero deixar aqui uma nota: este texto é constituído por vidas reais de um conjunto de amigos, não é só de mim nem da Marta!!! aliás, nalgumas partes sou eu a própria Marta!!!
Quero também dedicá-lo ao meu amigo e mestre A.O. que me ajudou e continua a ajudar nos caminhos da vida! em breve, publicarei aqui um texto da sua autoria!
By Eduarda Sousa, at 9:52 AM
Dedicado a M.
A Deeper Kind Of Slumber (Tiamat, A Deeper Kind of Slumber, 1997)
Robin goodfellow
Dianae, my muse
Morpheus in my heart
Your sand in my veins
It's a deeper kind of slumber
What is universe anyway
But a pouch of silver coins
The intense breathing
Of a dying animal
A foreboding of afterlife
Master keys in oaken chest
The somewhere is mine
And from there i'll continue
All i asked for was a little love
Meet me on the other side
Where as a rose i will wake
Though blind i'll follow every step you take
Dianae, my muse
Dianae, my solitude
Cease to exist, rise to exist no more
It's a deeper kind of slumber
By Der Überlebende, at 1:01 AM
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