Luz e Sombra

Sunday, April 03, 2005

O Aviso; 500 palavras (muito especiais) para um blog

O Aviso
Palavras sábias que escorrem com a água fresca de um ribeiro de montanha no início da primavera, após o degelo do manto branco que cobriu as altas serranias durante os álgidos dias de inverno. Palavras válidas e marcantes, ditadas por lábios de quem viveu a experiência, de quem foi figura, realizador e testemunha do seu próprio drama, do exclusivo e intransmissível momento de assombro, em que o corpo não se move, os olhos se fixam na imagem vibrante e sempre inesperada, a boca estanca aberta e gagueja ao proferir qualquer som ou palavra que reflicta a força e impacto do momento.
Eu ouvi dessas palavras, da boca da gente que me criou e que me viu ser criado, de irmãos de carne e sangue e de alma e éter, dos momentos de brilho e conforto, das lânguidas tardes de veraneio e copiosos dias de chuva outonal. Ouvi tais palavras provenientes de desconhecidos, de conhecimentos de ocasião, de casuais encontros entre milhares de tarefas diárias, no frémito de festas delirantes e decadentes entre sorrisos e absinto, entre cerveja e cheio a suor de quem labutou no ventre duros e exigente que são os campos deste país de gente pobre e trabalhadora.
Ouvia e olhava à minha volta, não compreendendo a dimensão dos avisos. O mundo continuava a girar, as gentes moviam-se pelas razões de sempre: medo, sofreguidão, fome, ódio, interesse, ganância, luxúria, obediência, demência, ardor, dor, e pouco, muito pouco amor. As estradas, ruas e vielas continuavam a serpentear por entre as mesmas casas, baldios, destroços e delirantes obras de engenharia, por entre os montes verdes ou de pedra seca e rasgada, mas as mesmas estradas, as mesmas casas, os mesmos montes... Porque haveria de as ver de outra forma, com outros olhos, sentir a pulsação com os meus mortais dedos e esperar outra melodia que não o mesmo batuque surdo e frio de todos os dias e de todas as horas de cada um desses dias?
Que saberiam todos eles, aquela classe ímpar de privilegiados e desprevenidos, de gente que me parecia tão comum, sem nenhuma auréola santa a alumiar-lhes os pensamentos, qual rodela de néon estridente que os destacaria entre o cinzento da mole humana que se move por entre os espaços sociais das nossas vidas? Porque seria tão importante o factor diferenciador que os distinguiam de mim, que lhes dava novos olhos, ouvidos e expressões, que lhes tornava o dia mais cheio, a vida plena de significado e lhes conferia tanta esperança e vontade de mudar um futuro que tantos querem traçado a negro e escarlate?
Eu descobri. Na manhã de 2 de Abril conheci a Sofia. Ao ver a sua face branca e iluminada o meu corpo quase congelou, o meu olhar estava mesmerizado, e a boca tremia com falta de palavras para saludar tão bela e vibrante visão e foram-me oferecidos por ela, naquele breve instante, novos olhos, novas expressões e novo brilho para a minha alma desgastada e macilenta. Era a minha filha.

3 de Abril de 2005,

Nuno Oliveira

(aka Der Uberlende)

3 Comments:

  • Aposto que nem tu esperavas que o sol rompesse assim por entre as nuvens e te iluminasse dessa maneira! São as maravilhosas surpresas da paternidade que vão, certamente, fazer grandes "estragos" em ti! Agora...vida nova, a dela e a tua! As maiores felicidades para vocês! :)

    Sofia (outra...)
    ;)

    By Anonymous Anonymous, at 6:13 PM  

  • Depois de uma vida inteira agora tudo se resume aquele momento, aquele em que conheceste a tua filhota...
    Por muito que tivesses imaginado como iria ser a realidade deve ter ultrapassado todas as expectativas...
    Agora sim, o desafio vai começar! Mas como sempre, terás a força para o enfrentar de frente.
    Muitos Parabéns e as maiores felicidades para vocês! :)

    By Anonymous Anonymous, at 10:21 PM  

  • Fui invadida por uma grande alegria interior. Fico tão cooooonnnnnnnnnntttttttteeeeeeeennnnnnnnnntttttttttteeeeeeee. Espero conhece-la da próxima vez que for aí a Lisboa. Parabéns Papá e prepara-te para as dores de cabeça que te aguardam... o primeiro namorado, saídas à noite para as discotecas sem hora de chegada, hiihhhiii vais sofrer tanto... beijinhos ***

    By Blogger Eduarda Sousa, at 1:49 PM  

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