DT - Acreditar; por Der Uberlende
Acredito em mim
(mentiras sem fim)
Uma bela manhã de Sol banha-me a face
(odeio a luz, doem-me os olhos)
os pássaros chilreiam ao chapinhar no fontanário
(criaturas malditas, racham-me os tímpanos com tanto alarido)
as flores desabrocham e presenteiam toda a gente com mil aromas e um festival de cor
(venha a seca, a geada, o ardiloso inverno, e leve estes abortos da natureza para longe de mim)
Sinto a relva com os meus pés descalços
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e alegro-me com o toque molhado dos restos do orvalho
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e deixo que a brisa me acaricie a face
(...nada...)
vejo as crianças que jogam à apanhada
(rio-me dos seus corpos frágeis, ...tão frágeis...)
os cães que deliciam os seus donos com joviais brincadeiras e corridinhas
(obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedec...)
os jovens casais, trocam beijos e carícias, envergonhados ou sorrindo maliciosamente
(fornicai como porcos que sois, procriai e enchei o planeta com as vossas larvas)
vejo meninas que volteiam nas suas bicicletas, cheias de fitas que ondulam ao vento
(todas as mulheres são patéticas, ridículas, execráveis e umas grandes putas)
enquanto os garotos se entretem a jogar à bola
(nunca me convidaram, nunca me deixaram jogar, nunca me deixaram sequer aproximar...)
conheci outros como eles, à tantos anos atrás, lá no antigo bairro
(um dia verei também os vossos cadáveres)
como eles, miudos e miudas, andavamos todos no primeiro ano de escola
(anormal, atrasado, monga, anormal, anormal, anormal, ...)
enquanto durante a hora de lição a professora nos ensinava a dança das palavras e o ritmo dos números
(D. Isaura, tenho medo do anormal! D. Isaura, ele cheira mal e é feio! D. Isaura, não quero ficar ao lado do monga...)
ficava para a mágica altura do recreio a troca de brinquedos, toques e afectos, coisas simples entre as crianças
(não mexas ai não fales comigo não me toques sai daqui isso não é teu apanhas nos cornos se não desapareces!!!)
agora me lembro, das horas felizes
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
agora me lembro de como era o grupo
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e de tudo quanto vivi com eles
(...nada...)
e deixo as memórias vogarem como barcos ao vento
(leva a mão ao bolso, obedeceaodono)
enquanto o conforto das recordações me afaga a alma
(já, faz o que te digo anormal!!)
entrelaço a melancolia de viver com a esperânça de um novo dia
(já a sentes, na tua mão?)
e deixo que o beijo quente do Sol me conforte
(ouviste o click? Está engatilhada...)
14 de Setembro de 2005,
Der Überlende
(mentiras sem fim)
Uma bela manhã de Sol banha-me a face
(odeio a luz, doem-me os olhos)
os pássaros chilreiam ao chapinhar no fontanário
(criaturas malditas, racham-me os tímpanos com tanto alarido)
as flores desabrocham e presenteiam toda a gente com mil aromas e um festival de cor
(venha a seca, a geada, o ardiloso inverno, e leve estes abortos da natureza para longe de mim)
Sinto a relva com os meus pés descalços
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e alegro-me com o toque molhado dos restos do orvalho
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e deixo que a brisa me acaricie a face
(...nada...)
vejo as crianças que jogam à apanhada
(rio-me dos seus corpos frágeis, ...tão frágeis...)
os cães que deliciam os seus donos com joviais brincadeiras e corridinhas
(obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedec...)
os jovens casais, trocam beijos e carícias, envergonhados ou sorrindo maliciosamente
(fornicai como porcos que sois, procriai e enchei o planeta com as vossas larvas)
vejo meninas que volteiam nas suas bicicletas, cheias de fitas que ondulam ao vento
(todas as mulheres são patéticas, ridículas, execráveis e umas grandes putas)
enquanto os garotos se entretem a jogar à bola
(nunca me convidaram, nunca me deixaram jogar, nunca me deixaram sequer aproximar...)
conheci outros como eles, à tantos anos atrás, lá no antigo bairro
(um dia verei também os vossos cadáveres)
como eles, miudos e miudas, andavamos todos no primeiro ano de escola
(anormal, atrasado, monga, anormal, anormal, anormal, ...)
enquanto durante a hora de lição a professora nos ensinava a dança das palavras e o ritmo dos números
(D. Isaura, tenho medo do anormal! D. Isaura, ele cheira mal e é feio! D. Isaura, não quero ficar ao lado do monga...)
ficava para a mágica altura do recreio a troca de brinquedos, toques e afectos, coisas simples entre as crianças
(não mexas ai não fales comigo não me toques sai daqui isso não é teu apanhas nos cornos se não desapareces!!!)
agora me lembro, das horas felizes
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
agora me lembro de como era o grupo
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e de tudo quanto vivi com eles
(...nada...)
e deixo as memórias vogarem como barcos ao vento
(leva a mão ao bolso, obedeceaodono)
enquanto o conforto das recordações me afaga a alma
(já, faz o que te digo anormal!!)
entrelaço a melancolia de viver com a esperânça de um novo dia
(já a sentes, na tua mão?)
e deixo que o beijo quente do Sol me conforte
(ouviste o click? Está engatilhada...)
14 de Setembro de 2005,
Der Überlende
10 Comments:
Grande texto! A tua inspiração não tem fim, pois não? Um texto tão diferente dos comuns... Também concordo com a Earworm, sem dúvida o teu melhor texto neste blog. Não páras de nos surpreender... A crueza, o fingimento, a hipocrisia, a vida dupla que todos levamos...
By Eduarda Sousa, at 10:57 AM
Sim, efectivamente brilhante! Gostei mesmo muito, do formato, das palavras que escolhes sempre muito bem, com imenso cuidado e uma extrema sensibilidade para as pequenas ironias deste mundo. Estes teus textos estao-se a tornar quadros vivos, personagens que pulsam de vida, e que nao sao definitivamente semideuses (agora voltando ao poema escolhido ha uns dias pela Booklover). Adoro a realidade que lhes imprimes. Embora a sugestao de banda sonora fosse para o outro desafio, gostava de saber qual a banda sonora que escolherias para este texto!
By smallworld, at 3:04 PM
Está... excelente! E já experimentaram só ler uma das "versões", toda de seguida? A segunda fica genial!
E já agora, gostava de deixar uma sugestão!
Hoje foi oficialmente o primeiro dia das actividades lectivas deste ano, uma mera "apresentação" com o director de turma. Durante essa apresentação pus-me a ecrevinhar na agenda sobre as primeiras impressões que as escola me estava a dar neste primeiro dia do 12º ano e depois lembrei-me: era engraçado desafiar todos os amantes da escrita a fazer um pequeno relato das memórias do seu primeiro dia de escola. Da escola primária, digo.
Entretanto entrei no Fórum do Bookcrossing.com e vi que já alguém teve uma ideia parecida, mas enfim...
Não sei se é uma coisa viável, ou se terá interesse, mas aqui fica a sugestão!;)
Beijinhos!*
By Filipa, at 3:35 PM
o verbo gostar não me sai. há alturas assim, há.
já o verbo sentir é, na gramática dos medos, o mais utilizável.
senti muito.
e por isso o escrevo. aqui.
By Sílvio Mendes, at 3:36 PM
Oh Parabens mais uma vez D.U. :D
beijinhos*
By Perséfone, at 3:04 PM
Incrivelmente real... Retrata lindamente a antagonia entre o que dizemos e o que pensamos.. A necessidade de fingir ser feliz, quando não o somos...
Excelente!!!
By Synne Soprana, at 2:29 AM
Como sempre, sois demasiado gentis comigo.
Agradeço profundamente as vossas palavras, prometendo, como sempre, o meu empenho para que continue a merecer a vossa atenção e companhia.
Agorta, em relação ao pedido da Stela, aqui vai a minha sugestão musical para este texto. Desta vez, há aqui uma nuance, pois sugiro um tema para cada "voz" do texto:
Mundo cor de rosa
Joe Hisaishi - Feel (OST Dolls)
Voz que segreda...
Marilyn Manson - Count to 6 and die
boas escritas,
d.u.
By Der Überlebende, at 12:50 PM
Muito bom. Muito, muito bom. A técnica das duas vozes funciona na perfeição ao serviço da ideia de fundo do texto e consegues (como sempre) trazer-nos palavras daquelas que deixam rasto, que ecoam dentro de nós após a leitura e que nos fazem olhar à volta e constatar que essa situação é mais real do que queremos acreditar.
Parabéns, D.U.! Sempre em alta! :D
Beijinhos doces*
By rita, at 4:06 PM
Impressionante o texto.
E mt bem pensado. *
By Unknown, at 8:43 PM
muito bom, muito original!
By aquelabruxa, at 11:15 AM
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