Andar por aí; 500 palavras para um blog por Stela
Lisboa abria-se à sua frente, experiente e marcada, em ruas e avenidas, bicas, elevadores, muralhas e jardins. Do alto do Castelo aos confins do Lumiar, nada ficava por explorar. Andar era o único objectivo, ver, a única ocupação. Deixar que os olhos registassem cada janela enfeitada com vasos floridos, cada candeeiro de rua, cada azulejo azul e branco. Todos os dias jogavam esse jogo depois da escola.
- Bora ir dar uma volta? – dizia ela.
- Bora. Vamos onde? – respondia ele.
- Sei lá. Andar por aí…
E lá iam, primeiro “só até ali àquele jardim com uns fetos espectaculares!”, depois “já que estamos aqui”, a cidade corria ligeira debaixo dos seus pés e eles, meninos, contentes, deixavam que ela lhes mostrasse os seus segredos, as suas belezas reservadas para os olhos de quem as procura. Os turistas às vezes tomavam-nos por seus iguais, de tanto olharem, sem fazerem nada do que habitualmente faziam os outros cidadãos, sem parar para tomar uma bica, sem comprar o jornal, sem correr para o eléctrico, sem outro objectivo que não fosse mesmo andar por ali.
Os dois olhavam para os seus concidadãos com pena por irem tão de cara no chão, sem levantarem a cabeça para ver os jacarandás em flor no Campo Grande, ou a luz a tocar amorosamente o casario de Alfama.
- Estás a vê-los? – perguntava ele.
- Parecem vacas. – anuía ela, abanando a cabeça com comiseração.
De facto havia algo bovino na forma resignada como a multidão se movia do autocarro para o metro, do metro para o comboio. Ocasionalmente apetecia-lhes chocar as pessoas e punham-se a imitar ruídos de animais, fazendo desfilar pelos túneis do Metropolitano de Lisboa uma grande parte da fauna de uma selva tropical ou de uma savana africana. Mas a manada a nada reagia, ouvidos moucos até às gargalhadas dos dois.
Às vezes tinham aventuras estranhas. Uma vez foram perseguidos por um cão, depois de repetidas tentativas do rapaz de se aproximar do bicho, com a firme convicção de que todos os animais gostavam dele.
- Este não me parece que goste de ti. – ofegava ela enquanto dava corda aos sapatos pela Rua das Janelas Verdes.
Outra vez ficaram presos por duas horas numa casa abandonada onde ela quis entrar porque tinha visto um gatinho ferido a entrar para o jardim da casa por um buraco na vedação. Ao entrarem, a porta da frente fechara-se devido a uma corrente de ar, e como resultado passaram as duas horas seguintes na penumbra, a tentar descobrir outra saída, porque a porta estava resoluta no seu fechar.
Outras vezes não tinham aventura nenhuma, o tempo passava simplesmente sem deixar nenhuma história para contar. Mas acabassem as suas caminhadas em cabeças partidas ou apenas em horas infindáveis a olhar para o Tejo, regressavam a casa cansados, moídos, cheios de imagens nem sempre felizes e nunca perfeitas, mas reais. E com o sentido do dever cumprido para com a vida.
- Pelo menos tentámos…
- Amanhã voltamos, deixa lá!
- Bora ir dar uma volta? – dizia ela.
- Bora. Vamos onde? – respondia ele.
- Sei lá. Andar por aí…
E lá iam, primeiro “só até ali àquele jardim com uns fetos espectaculares!”, depois “já que estamos aqui”, a cidade corria ligeira debaixo dos seus pés e eles, meninos, contentes, deixavam que ela lhes mostrasse os seus segredos, as suas belezas reservadas para os olhos de quem as procura. Os turistas às vezes tomavam-nos por seus iguais, de tanto olharem, sem fazerem nada do que habitualmente faziam os outros cidadãos, sem parar para tomar uma bica, sem comprar o jornal, sem correr para o eléctrico, sem outro objectivo que não fosse mesmo andar por ali.
Os dois olhavam para os seus concidadãos com pena por irem tão de cara no chão, sem levantarem a cabeça para ver os jacarandás em flor no Campo Grande, ou a luz a tocar amorosamente o casario de Alfama.
- Estás a vê-los? – perguntava ele.
- Parecem vacas. – anuía ela, abanando a cabeça com comiseração.
De facto havia algo bovino na forma resignada como a multidão se movia do autocarro para o metro, do metro para o comboio. Ocasionalmente apetecia-lhes chocar as pessoas e punham-se a imitar ruídos de animais, fazendo desfilar pelos túneis do Metropolitano de Lisboa uma grande parte da fauna de uma selva tropical ou de uma savana africana. Mas a manada a nada reagia, ouvidos moucos até às gargalhadas dos dois.
Às vezes tinham aventuras estranhas. Uma vez foram perseguidos por um cão, depois de repetidas tentativas do rapaz de se aproximar do bicho, com a firme convicção de que todos os animais gostavam dele.
- Este não me parece que goste de ti. – ofegava ela enquanto dava corda aos sapatos pela Rua das Janelas Verdes.
Outra vez ficaram presos por duas horas numa casa abandonada onde ela quis entrar porque tinha visto um gatinho ferido a entrar para o jardim da casa por um buraco na vedação. Ao entrarem, a porta da frente fechara-se devido a uma corrente de ar, e como resultado passaram as duas horas seguintes na penumbra, a tentar descobrir outra saída, porque a porta estava resoluta no seu fechar.
Outras vezes não tinham aventura nenhuma, o tempo passava simplesmente sem deixar nenhuma história para contar. Mas acabassem as suas caminhadas em cabeças partidas ou apenas em horas infindáveis a olhar para o Tejo, regressavam a casa cansados, moídos, cheios de imagens nem sempre felizes e nunca perfeitas, mas reais. E com o sentido do dever cumprido para com a vida.
- Pelo menos tentámos…
- Amanhã voltamos, deixa lá!
4 Comments:
Que saudades dos teus textos...
Para já, uma pergunta: como se distingue as pessoas "vacas" daquelas verdadeiramente atentas?
By Eduarda Sousa, at 4:20 PM
Booklover: Tenho cá para mim que todos somos "vacas" de vez em quando... Eu já me senti muito vaca. Não, a sério. :)
Paula: obrigada pela visita e comentário!
By smallworld, at 11:34 PM
Altamente cinemático este teu texto... será que já foi pensado para encaixar nos nossos planos de futuro? :)
beijocas à Holandesa ;)
By Der Überlebende, at 5:29 PM
sleight of hand words, vedder music, ament
routine was the theme, he'd wake up and...wash and pour himself into uniform
something he hadn't imagined being...
as the merging traffic passed, he found himself staring, down, at his own hands..
not remembering the change, not recalling the plan, was it...?
he was okay, but wondering about wandering
was it age? by consequence? or was he moved by sleight of hand?
mondays were made to fall, lost on a road he knew by heart
it was like a book he read in his sleep, endlessly...
sometimes he hid in his radio, watching others pull into their homes
while he was drifting...
on a line, of his own, off the line, on the side
by the by, as dirt turned to sand, as if moved by sleight of hand
when he reached the shore of his clip-on world
he resurfaced to the norm
organized his few things, his coat and keys...
any new realizations would have to wait til he had more time, more time...
time to dream, to himself
he waves goodbye, to himself
i'll see you on the other side...
another man...moved by sleight of hand...
Pearl Jam - BINAURAL (2000)
By Anonymous, at 3:04 AM
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