Momentum; 500 palavras para um blog by Silent Child
Hoje é um dia feliz para mim. Apresento-vos um texto para o Desafio 500 da autoria de Silent Child, meu irmão e eterno amigo. Em nome de nós os 3, obrigado pelas tuas palavras (e actos).
Der Uberlende
Momentum
Hoje passámos o dia juntos. Ao ir buscar-te pareceste-me algo preocupada, o que não era habitual… seria por a professora estar doente?, ou por o papá e a mamã estarem fora nesse dia? Deste uma corrida e lá foste sentar-te naquela cadeirinha do carro que achas tão gira. Há muito que prometera levar-te ao parque das nações, para veres um aquário a sério… nada dos que temos em casa. A meio do caminho vimos uma grande confusão na rua. Havia um carro todo amolgado, vidros estilhaçados e um corpo inerte no chão tingido de sangue… impossível de ignorar. Olhaste-me muito séria, com os olhos vidrados e tristes. “Morreu?” “Não sei”, foi a minha resposta. Mas eu não podia ficar por ali… “O meu pai e a minha mãe também vão morrer?” O teu pai e a tua mãe estão bem. Mas quem sabe o dia em que morre? Eu não iria iludir-te. Precisava de aprender a falar a uma menina de sete anos sensível e inteligente como tu. Temias a separação. Conversámos bastante. Fizemos uma pausa num café para tomarmos um sumo. Percebi que te preocupas com coisas que tantos adultos, por medo, egoísmo, estupidez ou ignorância, vão deixando de questionar. Não entendes porque morrem tantas crianças, porque há maldade, porque deixaste de ver aquele teu amigo na escola que já estava todo carequinha, porque chorou a tua colega de carteira quando foi o dia da mãe. E ainda havia quem te dissesse que tudo era vontade de deus. Quem seria esse? Eu ouvi-te muito atentamente. E tentei ajudar-te a quereres descobrir a (difícil) verdade ao teu alcance, sem te impingir nada. Eu sei que és uma criança, mas não a pobrezinha que tantos (miseráveis de espírito) vêem numa criança. Falámos da vida e da morte. Partilhámos exemplos, imagens, alegorias, histórias. Eu tentei. Tentei estimular-te a pensares sem preconceitos, medos, culpas ou dogmas aprisionantes. Sem o chorrilho de disparates com que te envenenam na escola, o jugo dos mistérios ou o muro de silêncio que encontras demasiadas vezes. Foi difícil. Ficaste preocupada quando se me escapou uma lágrima furtiva, levaste um dedito à minha cara, mas mostraste-me o teu lindo sorriso quando me entusiasmei tanto que até entornei um pouco de sumo no guardanapo, já muito rabiscado. Nós tentámos. Consegui(mos)? Chegámos ao parque cheios de energia. Agora caminhávamos em silêncio, de mão dada. Mas os nossos pensamentos iam comunicando. Só me pediste um gelado. Até ao oceanário, saboreaste-o satisfeita. Ao chegarmos lá a tua face parecia mais leve e aliviada. Ofereceste-me um sorriso aberto. Paraste. Puxaste-me a camisola e eu anuí a pegar-te. “Eu terei sempre comigo aqueles de quem gosto. Como os meus pais. Nunca estou só. E quero viver sem recear morrer. Afinal a vida é eterna não é tio?” Não esquecerei aqueles bracitos à volta do meu pescoço, a tua face junto à minha e o calor que partilhámos juntos Sofia! Terei sonhado? Ou viajámos no tempo? Hoje passámos o dia juntos… podes contar sempre comigo.
10 de Abril de 2005,
SilentChild
Der Uberlende
Momentum
Hoje passámos o dia juntos. Ao ir buscar-te pareceste-me algo preocupada, o que não era habitual… seria por a professora estar doente?, ou por o papá e a mamã estarem fora nesse dia? Deste uma corrida e lá foste sentar-te naquela cadeirinha do carro que achas tão gira. Há muito que prometera levar-te ao parque das nações, para veres um aquário a sério… nada dos que temos em casa. A meio do caminho vimos uma grande confusão na rua. Havia um carro todo amolgado, vidros estilhaçados e um corpo inerte no chão tingido de sangue… impossível de ignorar. Olhaste-me muito séria, com os olhos vidrados e tristes. “Morreu?” “Não sei”, foi a minha resposta. Mas eu não podia ficar por ali… “O meu pai e a minha mãe também vão morrer?” O teu pai e a tua mãe estão bem. Mas quem sabe o dia em que morre? Eu não iria iludir-te. Precisava de aprender a falar a uma menina de sete anos sensível e inteligente como tu. Temias a separação. Conversámos bastante. Fizemos uma pausa num café para tomarmos um sumo. Percebi que te preocupas com coisas que tantos adultos, por medo, egoísmo, estupidez ou ignorância, vão deixando de questionar. Não entendes porque morrem tantas crianças, porque há maldade, porque deixaste de ver aquele teu amigo na escola que já estava todo carequinha, porque chorou a tua colega de carteira quando foi o dia da mãe. E ainda havia quem te dissesse que tudo era vontade de deus. Quem seria esse? Eu ouvi-te muito atentamente. E tentei ajudar-te a quereres descobrir a (difícil) verdade ao teu alcance, sem te impingir nada. Eu sei que és uma criança, mas não a pobrezinha que tantos (miseráveis de espírito) vêem numa criança. Falámos da vida e da morte. Partilhámos exemplos, imagens, alegorias, histórias. Eu tentei. Tentei estimular-te a pensares sem preconceitos, medos, culpas ou dogmas aprisionantes. Sem o chorrilho de disparates com que te envenenam na escola, o jugo dos mistérios ou o muro de silêncio que encontras demasiadas vezes. Foi difícil. Ficaste preocupada quando se me escapou uma lágrima furtiva, levaste um dedito à minha cara, mas mostraste-me o teu lindo sorriso quando me entusiasmei tanto que até entornei um pouco de sumo no guardanapo, já muito rabiscado. Nós tentámos. Consegui(mos)? Chegámos ao parque cheios de energia. Agora caminhávamos em silêncio, de mão dada. Mas os nossos pensamentos iam comunicando. Só me pediste um gelado. Até ao oceanário, saboreaste-o satisfeita. Ao chegarmos lá a tua face parecia mais leve e aliviada. Ofereceste-me um sorriso aberto. Paraste. Puxaste-me a camisola e eu anuí a pegar-te. “Eu terei sempre comigo aqueles de quem gosto. Como os meus pais. Nunca estou só. E quero viver sem recear morrer. Afinal a vida é eterna não é tio?” Não esquecerei aqueles bracitos à volta do meu pescoço, a tua face junto à minha e o calor que partilhámos juntos Sofia! Terei sonhado? Ou viajámos no tempo? Hoje passámos o dia juntos… podes contar sempre comigo.
10 de Abril de 2005,
SilentChild
7 Comments:
O futuro tio já todo babado a falar com a sobrinha. enternecedor e querido... Foi uma surpresa em cheio começar a semana a ler um texto teu aqui no blog. Sabes que me inspiras e fazes pensar profundamente. que este seja o primeiro de muitos...
beijinho
Eduarda
By Eduarda Sousa, at 11:19 AM
futuro não, já és, desculpa, estava a pensar nas futuras conversas que terás com a Sofia!!! ups
By Eduarda Sousa, at 11:20 AM
Fiquei comovida!
Como sempre os pequenos e simples actos de ternura familiar mexem comigo. Nunca consegui perceber porquê?
Um pai a dizer a um filho que o ama leva-me a um pranto que nem a mais fantástica cena de amor me arranca. Porque será?
Obrigado Silent Child por este magnífico texto!
PS - Espero (e quase que acredito) que a Sofia nunca seja tratada como uma "pobrezinha". Sei que o pai e o tio se encarregarão de o assegurar!
By Anonymous, at 12:47 AM
É raro ler um texto onde se retrate a criança como um ser inteligente. Um passo em frente, em sentido pedagógico e literário, portanto. Outro passo em frente, se nos lembrarmos que se trata de um tio a adiantar os ponteiros ao relógio sete anos.
É realmente preciso educar para todas as dimensões da vida, sem subterfúgios, sejam elas a dor, a felicidade, a morte, a criatividade ou a separação. Esse esforço começa em família.
Parabéns pela visão e pelas palavras.
By Anonymous, at 1:36 PM
E, já agora, parabéns pelo blog. Fazia falta.
By Anonymous, at 1:38 PM
Pela primeira vez vejo alguém que sabe falar com uma criança, explicar-lhe o mundo sem dogmas ou histórias da carochinha…porque tudo é nada e significa tudo…e nada deve ser mantido na escuridão do esquecimento…parabéns…Vera
By Musera, at 12:41 PM
Agradeço a todas pelos seus simpáticos comentários (é curioso haver só palavras femininas; tenho para mim que, em geral, as mulheres são bem mais sensíveis e atentas do que os homens... e olhem que isto não é só uma provocação :)
É de facto fundamental conseguirmos educar, ajudar as crianças a desenvolverem todas as suas imensas potencialidades, imaginação e criatividade. Infelizmente, é demasiado comum vermos que as crianças são «mortas» ainda antes de perceberem sequer que são «crianças»... talvez tb por isso, nós, adultos, temos tanta dificuldade em escutar a «criança» que em nós continua a pulsar. E nós que tb temos tanto para aprender com as crianças...
By Anonymous, at 2:27 PM
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