Lisboa, 28 Junho de 1552 by aquela bruxa
Mais um texto vindo directamente da rosa-louca
Lisboa, pergunto-me. Subindo a Domingos Sequeira, a rua do velho cinema Paris do filme do Wim Wenders. Pergunto-me. Se saltasse deste eléctrico, no meu sonho, ficaria realmente em Lisboa, e será que poderia apanhar o próximo eléctrico para Amesterdão?Stand By Me, do Ben E. King. Pergunto-me. Naquela tarde em que todos sete encostados a meu lado usavam ténis All Stars, no primeiro ano dos anos noventa, alguém pensou que, dez anos mais tarde, todos usaríamos telemóvel? Vermelhos, azuis escuros, cor-de-rosa, brancos, azuis claros, verdes, cor-de-laranja e os meus sapatos chineses. Cool Thing, Sonic Youth, pergunto-me. Lisboa, Porto, Braga. Naquele Março quente, Páscoa, o Afonso Selvagem(vamos chamar-lhe Afonso Selvagem). Pergunto-me. Sentiria ele connosco a nostalgia que eu sinto agora com as gerações mais novas, e respiraria ele os nossos pensamentos frescos e inconscientes de evolução? De Do Do Do De Da Da Da, The Police. Não me pergunto. Foi só há trinta anos que brincávamos na rua com as pedras brancas da calçada, que eram os nossos telefones lunares. Ainda não funcionavam, mas já os tínhamos. The Doors, Riders On The Storm. Não me pergunto. Não havia a grande rede interna. Só telefones fixos nos corredores e nas salas de estar, e cartas. Não havia esta janela de navegação aonde me sento, e aonde escrevemos a nossa memória colectiva. Saltei do eléctrico. Doce, Doce. Conhecemo-nos mas não nos conhecemos. Pergunto-me. Conhecemo-nos melhor agora ou antes? A todos e a nós próprios? Lisboa. Os Mouros, os Maias, os Lopes, os Silvas, os Oliveiras, ah, os Oliveiras... Pergunto-me. Tudo cada vez mais rápido. Cada vez mais informação. Tudo tão rápido que as nossas memórias, e as memórias das crianças, não têm memória suficiente. Afastamo-nos? Aproximamo-nos? Snap, The Power. Está tudo igual. É matemático. 2+0+0+5=7-5-0-0-2. Good Vibrations, The Beach Boys. 23x9=207.- Mas conheces Jefferson Airplane?- Sim, claro, como não.- E qual a música deles que gostas mais?- Hum... é difícil dizer. Tenho mesmo que escolher uma?- Sim. Uma são todas, de qualquer modo.- Está bem, então hoje escolho – chega o gato – aquela, Today.Hey Jude, The Beatles. As avós. Pergunto-me. Em Lisboa estará sol? Cheirará a flores cor-de-rosa de aromas a mel? Os táxis andarão bem dispostos? Os hippies perto da Brasileira usarão saias roxas? O fantasma de Pessoa estará sentado na esplanada, ao colo da sua própria estátua? Ou ronrona sonolento em cima de uma almofada, no calor da marquise da professora primária? A padaria terá bolas de Berlim esta tarde, quando abrir, às cinco? O eléctrico chegará quantos minutos atrasado? Sim, dá perfeitamente para regressar durante a noite. Não há problema nenhum. Kraftwerk, The Model. Pergunto-me. Lisboa. 36x14? 504. Madredeus, O Pastor.
by aquelabruxa
4 Comments:
deixaste-me de rastos, Eduarda! adorei o estilo! fez-me lembrar muito o Vergílio Ferreira, que é um dos meus autores favoritos, senão mesmo o meu favorito, não desfazendo o sempiterno Eça (o que é nacional também é bom).... esses pensamentos soltos, por vezes paralelos, por vezes cruzados, matemática, música ao acaso, parece o trilho dos nossos pensamentos profundos... não têm nexo, mas ao mesmo tempo, fazem todo o sentido.....
sabes o que parece o teu texto? uma pintura... verdade!
beijinho!
By Anonymous, at 7:37 PM
Também gosto muito do Eça. O Virgílio Ferreira, tenho a certeza que já li algo dele (talvez as aventuras de Joao Sem Medo - eram dele?). Porquê Eduarda? :-) É para combinar com o meu estilo?
By aquelabruxa, at 6:59 AM
Olá Bruxinha.
De facto, surpreendes-me de cada vez que aqui "postas" as tuas pescadinhas de rabo na boca.
Há poesia na matemática? Nunca julguei possível mas já é segunda vez que me provas isso mesmo, à mistura com outra poesia, mais lunar e mais lunática. O teu fascínio pelos números vem de onde?!
Genial... o que mais posso dizer?
By Anonymous, at 10:22 PM
Olá minhoca de orelha ;-)
nao tenho fascínio por números, o fascínio é pelo desafio do blog, das 500 palavras. conto as palavras e faço contas para dar 500, mas por acaso, engano-me sempre... poesia na matemática, sim, sem dúvida. há poesia em tudo. obrigada pelas tuas palavras simpáticas!
By aquelabruxa, at 3:20 PM
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