Luz e Sombra

Tuesday, April 26, 2005

Tempus Fugit (Parte IV e Final: O Derradeiro Fôlego)

Tempus Fugit (Parte IV: O Derradeiro Fôlego)


Lembro-me...
15:01.
Filha: Papá!
Eu: Vou já querida, estou a caminho!
Ela: Eu disse-te que ela ia ficar contente... (sorriso cúmplice, estendeu a mão e passou-ma levemente sobre o ombro)
Eu: Achas que ... temos alguma hipótese? (evito olhá-la nos olhos)
Ela: Tu é que partiste, nós sempre estivemos aqui... O meu anelar esquerdo ainda tem saudades do aperto frio do ouro que me prometeste ser eterno. Ainda suspiro por ti em algumas noites, mas noutras causas-me náuseas e ódio. Tenho vontade de queimar as fotos dos nossos dias juntos, mas depois olho para a nossa filha e vejo-te nos olhos dela, na cor do cabelo, nos disparates que faz com a comida... (os olhos ameaçam chuva, mas o vento seco varre-lhes toda a esperança)
Eu: Não era suposto ser assim... Perd...
Ela: (sela-me rapidamente os lábios) Shhh. Olha para ela a correr descalça na areia e pensa, pensa muito no que trocaste por isto, demasiadas vezes...

15:21. Que calor insuportável. A minha cabeça vai explodir, não sei se do calor, da fome ou da esperança que ora aumenta, ora se apaga. Última paragem, já estou perto...
Era capaz de jurar que sinto no ar o teu cheiro, meu amor. Fecho os olhos e o vento manda-me beijos vossos, uns perdem-se no ar como frágeis borboletas num dia de vendaval, outros acertam-me em cheio como setas envenenadas que me matam de angústia e vergonha. Pouso a mão no banco do passageiro e encontro a minha carteira. Abro-a e vejo uma foto.

15:28.
Tio: Atenção!... FLASH
Filha: Ena! Já posso ir comer gelado?
Ela: Espera mais um bocadinho oh acelerada! Que horas eram quando acabaste de comer?
Eu: Deixa-a... metade das batatas comi-lhas eu, passou-mas por baixo da mesa às escondidas! (pisco o olho, e a minha mulher devolve-me um sorriso derretido)
Tio: Olha, ficou gira a foto, elas estão tão bem! Mas parece que a tua cara ficou desfocada...!?
Eu: Ah, deixe lá isso, é menos uma foto que se estraga!
Tio: hehehehe...

16:07. Ah, as portagens! Que dor horrível.... o meu estômago vai inchar e explodir! O coração quase que me rebenta as costelas e salta para o tablier, arrastando consigo o meu último pedaço de humanidade. Ainda bem que trouxe aspirinas na carteira...

16:12.
Mãe: Pára!
Pai: (estremunhado) Que foi querida?
Mãe: Não suporto o berreiro desta maldita criança!!!
Pai: Tem calma, são cólicas....
Mãe: (histérica) Agora são as cólicas, antes foram as caibras, enjoos, dores, sempre me transtornou, deu-me cabo das entranhas e desfigurou-me!
Pai: (deita-se para o outro lado e suspira a pensar que deveria fazer algo pelo filho...) ...

16:44. Estou a 2 Km de casa... quase lá! Vou tomar uma aspirina e acalmar-me...
Onde é que foi parar a carteira?!? Baixo a cabeça e procuro-a...
Deve ter caído...

16:59.
Camionista: Ficou todo desfeito!! (horrorizado)...
Paramédico: Mas o carro estava parado no meio do cruzamento e você não conseguiu parar?
Camionista: Não tive tempo... foi tudo tão rápido!...


26 de Abril de 2005,

Der Uberlende

8 Comments:

  • Vim agardecer o teu comment no "poetismo" :)
    Bigada

    By Anonymous Anonymous, at 3:35 AM  

  • adoro as horas, a brincadeira com o tempo!

    By Blogger aquelabruxa, at 7:05 AM  

  • e pronto. Assim terminou a historia do fitipaldi, morrendo na praia, como dizias. Sim, talvez ele merecesse viver, talvez todos merecessemos viver. Mas nem todos vivemos! E o pouco tempo que temos deveria ser para o amor. Ja te disse, gostei muito da historia, e acho que a personagem esta construida de forma exemplar, tem uma vida, uma identidade propria, uma biografia. Snif... derramo a minha lagrimita por todos os fitipaldis deste mundo, e por todos os que viram a sua existencia terminar antes de fazerem tudo o que queriam. A ver se nao nos juntamos ao numero. Credo, estou deprimida, agora!

    By Blogger smallworld, at 8:04 AM  

  • e pronto. Assim terminou a historia do fitipaldi, morrendo na praia, como dizias. Sim, talvez ele merecesse viver, talvez todos merecessemos viver. Mas nem todos vivemos! E o pouco tempo que temos deveria ser para o amor. Ja te disse, gostei muito da historia, e acho que a personagem esta construida de forma exemplar, tem uma vida, uma identidade propria, uma biografia. Snif... derramo a minha lagrimita por todos os fitipaldis deste mundo, e por todos os que viram a sua existencia terminar antes de fazerem tudo o que queriam. A ver se nao nos juntamos ao numero. Credo, estou deprimida, agora!

    By Blogger smallworld, at 8:06 AM  

  • e pronto. Assim terminou a historia do fitipaldi, morrendo na praia, como dizias. Sim, talvez ele merecesse viver, talvez todos merecessemos viver. Mas nem todos vivemos! E o pouco tempo que temos deveria ser para o amor. Ja te disse, gostei muito da historia, e acho que a personagem esta construida de forma exemplar, tem uma vida, uma identidade propria, uma biografia. Snif... derramo a minha lagrimita por todos os fitipaldis deste mundo, e por todos os que viram a sua existencia terminar antes de fazerem tudo o que queriam. A ver se nao nos juntamos ao numero. Credo, estou deprimida, agora!

    By Blogger smallworld, at 8:06 AM  

  • Desconcertante, este final. Muito desconcertante mesmo!
    Conseguiste causar a verdadeira confusão de sentimentos pela tua personagem e isso é muito bom: é sinal que eles "vivem".

    By Anonymous Anonymous, at 1:36 PM  

  • ai, tou triste.. quer-se dizer.. tinha esperança no final feliz desta personagem e o estomago ate deu "aquela" voltinha quando li o desfocada e o baixo a cabeça, como sera que terao ficado os que sobreviveram? pois, agora vou ficar a pensar nisto, em todos os que vao antes do tempo, quando tudo se parecia compor, em todos que vem a esperança do concretizar certos sonhos arrancada por uma destas situaçoes tragicas que sao decididas em segundos [pela nossa propria ignorancia e descuido]
    estou como a stela, passando a cita-la:
    "Credo, estou deprimida, agora!"
    sem duvida que estas personagens foram todas brindadas com a magica da vida, nem que seja pra morrer prematura e tragicamente valeu a pena teres-las [tenho serias duvidas nesta palavra mas n me apetece pensar] feito nascer ;)
    parabens

    beijinho mui grande *

    By Blogger Perséfone, at 9:41 PM  

  • Só pode viver o amor aquele que foi amado e sente em si amor. O 'Fitipaldi' (pronto, foi assim baptizado e nada a fazer:) não foi amado enquanto criança e foi largamente desprezado/abandonado enquanto adolescente. Mas na mulher e na filha encontrou amor, só que ele nunca soube o que isso era... E agora? Como poderia ele dar valor a algo tão estranho e intenso? Amor-afecto-sexo-gratificação, tudo no mesmo saco, só podia resultar num adulto desequilibrado e inconstante. Diz-se que o Diabo não sabe mais por ser Diabo.. é por ser mais velho. A idade trouxe a ponderação e a maturidade emocional que deveria ter fermentado décadas antes, e quando finalmente soube o que tinha perdido... estava perdido! O aviso é este mesmo: vivam a vida AGORA! Aproveitem o que a vida vos dá, e descubram o que teem para lhe dar de volta, dando(-vos) aos outros. Um dia, Alice descobriu que era tarde demais e tentou matar a criança (ver Der Igel "Alice", publicado em Março). 'Fitipaldi' tentou descobri-la... mas como diz o ditado "Tempus Fugit, Mors Certa"!

    By Blogger Der Überlebende, at 12:07 AM  

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