Interludium, enquanto decorre a votação....
Ora viva,
Enquanto continua a avaliação e votação das respostas ao DP2, não resisto a publicar mais um D500 à laia de intervalo comercial.
Aproveitem para ir buscar mais pipocas e refrescar a garganta :)
Quem foi que pediu uma coca cola?.....
cumprimentos entusiastas,
D.U.
Silabas
Que mundo mesquinho. Estou farta de os aturar...
Sirvo-os à mesa, todos os dias, neste café de beira de estrada, farto de brutos e ‘meninas da vida’, de penduras, pelintras e pedintes, de cretinos, descrentes e credores em viagem. E cabe-me a mim, no meio deste inferno, aturar toda esta canalha. Dar-lhes de beber, de comer, e se eu os deixa-se, de f.....
Ninguém diz nada que valha a escuta, que preencha o vazio, que alegre o dia, que me eleve a alma, que me conforte a dor, que me faça sentir humana, pessoa, útil, amada! Nada, apenas a rudeza dos gestos e o lixo da palavra de rua, suja e bruta com todos são, do patrão à colega mais nova, da velha da caixa ao puto do posto de serviço, do miúdo que me olha para o decote com vergonha ao porco do mercedes que devora o rabo com os olhos e escorre baba dos cantos da boca.
Não consigo ser mãe, mulher, esposa, prazer, nem delito nem deleite, sou apenas a ‘tipa’ do café da beira da estrada, aqui para vos servir, aqui ontem, aqui hoje, ... e amanhã?....
Não oiço uma única expressão que mereça ser ouvida, vivo dentro de um mundo onde não se usam palavras com mais de três sílabas. Ninguém as usa, ninguém as diz. Três sílabas, é o limite do meu espaço, do meu ser, da gentalha que se move entre as mesas já gastas pelos anos, gastas pelo meu esfregar constante do pano húmido e fedendo a pop limão. Não usam mais de três sílabas para escrever nas portas da retrete: “faço bicos”, “vivó benfica”, “jovem solteiro”, “no cagar é que está o ganho”, e são essas merdas que eu tenho que aturar quando me calha a vez de limpar...
Uma. Duas. Três. É o máximo. Não existem palavras com mais de três silabas no meu mundo. Não tenho mais letras para o horror e depressão em que vivo. Não conheço fim deste limite para descrever os dias que passo entre os pedidos de hamburgers, de coca colas, de batatas fritas, de massa com molho de tomate, de carne de porco frita, de rissóis, empadas, sopas, cafés, bagaços, tabaco, trocos para a máquina de jogos, mais água por favor, traga o ketchup, a pimenta, azeite, vinagre, sal. Todo o sal que me resta está nestas lágrimas que me escorrem da face, que deslizam para a minha boca, que sorvo com tremuras, que uso como tempero de mim própria, como final amargor da minha vida vazia por entre as mesas e o balcão, por entre as mãos sujas que me deixam meia dúzia de trocos e os olhos vazios de que não me vê nem nunca verão...
Hoje mudo tudo.
Ergo-me ainda mais cedo e vou até à cozinha. Hoje aumento os limites do meu mundo, uma nova dimensão, a quatro sílabas. No vinho a granel, no azeite de prato e no café moído está o meu tributo para todos vós.
Cianeto.
30 de Maio de 2005,
Der Uberlende
Enquanto continua a avaliação e votação das respostas ao DP2, não resisto a publicar mais um D500 à laia de intervalo comercial.
Aproveitem para ir buscar mais pipocas e refrescar a garganta :)
Quem foi que pediu uma coca cola?.....
cumprimentos entusiastas,
D.U.
Silabas
Que mundo mesquinho. Estou farta de os aturar...
Sirvo-os à mesa, todos os dias, neste café de beira de estrada, farto de brutos e ‘meninas da vida’, de penduras, pelintras e pedintes, de cretinos, descrentes e credores em viagem. E cabe-me a mim, no meio deste inferno, aturar toda esta canalha. Dar-lhes de beber, de comer, e se eu os deixa-se, de f.....
Ninguém diz nada que valha a escuta, que preencha o vazio, que alegre o dia, que me eleve a alma, que me conforte a dor, que me faça sentir humana, pessoa, útil, amada! Nada, apenas a rudeza dos gestos e o lixo da palavra de rua, suja e bruta com todos são, do patrão à colega mais nova, da velha da caixa ao puto do posto de serviço, do miúdo que me olha para o decote com vergonha ao porco do mercedes que devora o rabo com os olhos e escorre baba dos cantos da boca.
Não consigo ser mãe, mulher, esposa, prazer, nem delito nem deleite, sou apenas a ‘tipa’ do café da beira da estrada, aqui para vos servir, aqui ontem, aqui hoje, ... e amanhã?....
Não oiço uma única expressão que mereça ser ouvida, vivo dentro de um mundo onde não se usam palavras com mais de três sílabas. Ninguém as usa, ninguém as diz. Três sílabas, é o limite do meu espaço, do meu ser, da gentalha que se move entre as mesas já gastas pelos anos, gastas pelo meu esfregar constante do pano húmido e fedendo a pop limão. Não usam mais de três sílabas para escrever nas portas da retrete: “faço bicos”, “vivó benfica”, “jovem solteiro”, “no cagar é que está o ganho”, e são essas merdas que eu tenho que aturar quando me calha a vez de limpar...
Uma. Duas. Três. É o máximo. Não existem palavras com mais de três silabas no meu mundo. Não tenho mais letras para o horror e depressão em que vivo. Não conheço fim deste limite para descrever os dias que passo entre os pedidos de hamburgers, de coca colas, de batatas fritas, de massa com molho de tomate, de carne de porco frita, de rissóis, empadas, sopas, cafés, bagaços, tabaco, trocos para a máquina de jogos, mais água por favor, traga o ketchup, a pimenta, azeite, vinagre, sal. Todo o sal que me resta está nestas lágrimas que me escorrem da face, que deslizam para a minha boca, que sorvo com tremuras, que uso como tempero de mim própria, como final amargor da minha vida vazia por entre as mesas e o balcão, por entre as mãos sujas que me deixam meia dúzia de trocos e os olhos vazios de que não me vê nem nunca verão...
Hoje mudo tudo.
Ergo-me ainda mais cedo e vou até à cozinha. Hoje aumento os limites do meu mundo, uma nova dimensão, a quatro sílabas. No vinho a granel, no azeite de prato e no café moído está o meu tributo para todos vós.
Cianeto.
30 de Maio de 2005,
Der Uberlende
11 Comments:
:) Que final tão inesperado... e tão delicioso. Não consegui conter um sorriso ao ler as últimas frases do texto. Mais uma vez, somos brindados com um texto muito bem escrito, muito bem conseguido e de uma criatividade enorme. Como não podia deixar de ser, vindo de quem vem :D Beijinhos***
By rita, at 10:28 PM
hmmm, muito bom... adorei... Parece-me uma ideia prática, a dela. Que empregada de café mais Natural Born Killer. Já estou a ver os escaparates: empregada de café mata clientes com cineto (para quem só vê três sílabas na vida). Beijinhos
By smallworld, at 10:51 PM
Quantas é que eu já vi, com os olhos de Lucrécia Bórgia, a servirem bicas e pastelinhos de nata!...
Um grande texto.
By Anonymous, at 2:26 AM
:o
pts.. caiu-me o queixo..
:D
adoro [mas é que adoro mesmo] os desfechos que dás as tuas historias, os rumos que as tuas personagens tomam, a densidade que lhes crias e a credibilidade com que naturalmente se desenvolvem :D
beijinhos de saudade [sim este intervalinho foi uma optima golada de agua fresquinha ;)
so a titulo de comentario irrelevante, nao gosto de pipocas ;p caramelos de fruta sff.. bgd*]
By Perséfone, at 12:49 PM
não gostei... ignorando a fluidez do texto, não percebi a mensagem que se queria transmitir, se queria? mostrar uma mulher limitada e farta do seu dia a dia? que não arranja outra saida desta situação a não ser veneno?
Este blog lembra-me as histórias de O'Genry, embora numa visão mais pessimista. Para quem ainda não conhece O'Genry, aconselho vivamente ler, e quem me dera algum dia conseguir escrever como ele.
By Dasha, at 2:48 PM
já era para perguntar há mais tempo, o que é D500?
By Dasha, at 3:41 PM
D500: Desafio 500. Um texto com mais ou menos 500 palavras, de tema livre.
By Anonymous, at 5:05 PM
Bem!!!! Mas que intervalo comercial! Adorei... Nao posso dizer muito mais do que isso... Final perfeito!
Ah, e confirmem-me so uma coisa... Dei uma vista de olhos pelo texto e nao ha mesmo mais nenhuma palavra com mais de tres silabas alem de cianeto, pois nao?...
Se foi propositado... venia!
By Inês, at 10:26 PM
ainda nao tinha atentado nesse pormenor... realmente... cabe a cada um encontrar a mensagem no texto.. ela libertou-se violentamente da vida que desprezava, da repugna e do nojo que lhe causavam num acto de ... nem sei ... heroismo? [poderei eu chamar-lhe heroismo?] penso que sim .. afinal tratou-se da sua "salvaçao"
mais um beijinho para ti :*
By Perséfone, at 11:13 PM
Ora viva
1. Antes de mais, gostava de agradecer à Dasha por ser assim mesmo, frontal e honesta! Se não gostou não tem que amenizar e dizer que simsnhora tá muito bonit'e tal. Disse claramente que não gostou do modo como a personagem foi construida e não achou o fim adequado. É a sua opinião, e eu respeito-a inteiramente :)
2. Agradeço de igual modo as palavras de apoio e de incentivo dos restantes comentários. Fico sempre muito lisonjeado com a vossa generosidade
3. O D500 consiste em escrever um texto exactamente com 500 palavras, nem 499 nem 501, cujo conteúdo é inteiramente de expressão lovre. Just that simple
4. É verdade, à excepção de ci-a-ne-to, todas as outras palavras tem no máximo 3 sílabas, era mesmo essa a intenção. ;)
cumprimentos entusiasmados
D.U.
By Der Überlebende, at 12:58 AM
Pois eu cá adorei, fiquei presa até ao fim!
Não sei onde consegues ir buscar tanta imaginação e criatividade para criares estas personagens!
beijinho
By Eduarda Sousa, at 1:20 PM
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