Pressão... a versão completa!
Eis os resultados:
Votos %
Booklover 4 8,3%
Dasha 2 4,2%
Der Uberlende 5 10,4%
Earworm 4 8,3%
Ines em NY 4 8,3%
Lua_de_Inverno 7 14,6%
Perséphone 5 10,4%
Redbackspider 2 4,2%
Secret 1 2,1%
Shakti 4 8,3%
Silent Child 2 4,2%
Stela 4 8,3%
SweetSerenity 3 6,3%
Understandable 1 2,1%
48
Parabens a TODOS!!
(não digam a ninguém, mas amanhã (dia 2) já vai sair um NOVO desafio! hehehe...)
Der Uberlende
Agora a versão completa, já com o texto da vencedora desta 1ª edição do Desafio Parte II :
Lua_de_Inverno
Pressão... (Parte I)
O som da fechadura a desarmar desperta-me para a realidade. Finalmente cheguei a casa. O piloto automático que todos os dias me reencaminha do trabalho apaga-se, dando lugar ao modo “senta-bebe-esquece”, o meu estado favorito.
De acordo com o BI tenho 51 anos, mas a dor de cabeça que me estala os ossos do crânio insiste em informar que me devo andar a arrastar à séculos pelo peso que sinto sobre mim.
Lembro-me vagamente do que era estar vivo. Lembro-me vagamente do que foi ser feliz e empreendedor. Lembro-me, muito vagamente de me olhar ao espelho e gostar do que via...
Na cozinha, uma tigela vazia no chão lembra-me da companhia da Elisa. Durante 11 anos da minha incipiente vida fui abençoado com a gata mais carinhosa do mundo. Não era aquele tipo de bichano que vive enrolado nos pés do companheiro humano (só fala na palavra ‘dono’ quem nunca teve um gato...) ou que se desfizesse em mimos por tudo e por nada. A Elisa ‘lia-me’ com uma transparência e detalhe que jamais alguma mulher logrou alcançar. Ela sabia confortar-me sem exigir quase nada em troca, sem insistir que eu tinha de mudar, de crescer , de maturar, de ser mais empenhado, menos agressivo, mais homem, menos criança, mais isto, menos aquilo... E era com todo o prazer que eu lhe retribuia o gesto, afagando-a gentilmente no espaço entre as orelhas e o cachaço, deixando-a aninhar-se junto a mim, enquanto viamos televisão pela madrugada.
Frequentemente, a Elisa dava o seu passeio pela rua, saltando da janela da cozinha para o quintal, e daí para o mundo. Ia explorar, descobrir, socializar, andar por ai. Tinha a sua agenda, os seus encontros, a sua vida. Ia e voltava para mim, para o seu companheiro humano. Ia e voltava sempre. Há três meses atrás deixou de voltar. A roda de um carro desenfreado dum daqueles putos asquerosos do tunning, com o seu bonézinho patético e as argolas à pirata nas duas orelhas que separavam o espaço morto e atascado de diarreia onde deveria haver um cérebro e uma alma fez com que a Elisa não voltasse para mim.
Agora, quem me iria acompanhar de madrugada? Sobrava a televisão.
Desde que ela morreu que não durmo, apenas pairo no limbo etílico da minha inconsequente ausência. Arrasto as pálpebras vagarosamente, uma de encontro a outra, mas pelo meio sempre sobra um rasgão de íris e retina que insiste em sobrar para me fustigar com os ásperos fotões do mundo que ruge e brama pela minha alma.
E o que me oferece a televisão? Morte, espectáculo, negligência, sexo fácil e intimidade falsa, porcos e cabras a viver numa quinta, mas que quase parecem pessoas, notícias falseadas, aclamadas, comentadas, esmiuçadas, detalhadas, deturpadas...
Não aguento mais. Pego na caçadeira, calmamente. Carrego os canos...
No andar de baixo instala-se a confusão. Após um sonoro estrondo a bebé da vizinha começou a berrar em pânico e a velhota do 2ª esquerdo corre a ligar para a polícia.
Pressão... (Parte II)
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino! Tinhas 40 anos. Idade suficiente para ter uma família e uma vida arranjada. E escolheste-me entre inúmeros gatinhos deixados intencionalmente num caixote perto de tua casa. Senti o calor do teu olhar e senti que esse calor era só meu, de mais ninguém. Terás percebido então que eu era mais do que uma simples gata? Terás percebido então que havia mais em mim do que pêlo e olhos sedutores? Porque dirigiste a tua mão a mim e não a algum dos outros?
Vejo-te agora, talvez com o mesmo calor no olhar. Talvez porque estás tão abandonado como eu estava quando me tiraste do caixote. O bebé da vizinha continua a berrar e o carro da polícia já enche a rua de clarões azuis, frenéticos como o sangue que jorra impaciente da tua cabeça. O copo meio-cheio (ou meio-vazio?) de uma qualquer bebida permanece ao teu lado. Bem como a caçadeira. Nunca imaginei ver-te assim. Sem uma ponta de dignidade, vencido pela minha ausência e pela tua morte antes do suicídio. Sim, porque já tinhas morrido. E não suportaste estar morto e vivo ao mesmo tempo, muito menos sem mim.
Terás percebido como eu te amava? Como desejava poder arrancar o pêlo e sair de lá, mulher castigada pelo destino, e abraçar-te até à eternidade? Terás percebido que a minha vida fora da tua (nossa?) casa não era mais do que um escape? Como odiava estar contigo – amar-te e estar aprisionada dentro do corpo de um animal. Por isso fugia. Por isso corria desenfreadamente. Por isso me precipitei naquele dia para baixo de um carro e nunca mais pude voltar para junto de ti. Agora vejo-te aqui de cima, deste limbo, e espero-te numa forma que poderás agora compreender. E (quem sabe?) amar.
Não tinhas que ter feito isto, sabes? Eu continuaria a acompanhar-te nas madrugadas de insónia, continuaria a acarinhar-te como merecias e a aceitar-te na tua perfeita imperfeição. Só tu não te aceitavas. Agora tenho de me concentrar na tua imagem destroçada e puxar a tua alma para mim (virás para o meu lado?), tenho de te dar força para não morreres completamente.
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino… fora eu mulher e teríamos sido felizes até aos 100 anos. Sem exigir mais, sem pedir mais, porque sempre chegámos e nunca sobrámos um para o outro, e assim seria até ao fim das nossas vidas.
Tens 51 anos… Pareces ter o dobro. E sentias-te velho desde a minha morte. Quem me dera ter mudado isso. Quem me dera ter aberto as tuas pálpebras teimosas para a beleza do mundo, para a insignificância da minha ausência física. Quem me dera que tivesses encontrado uma mulher que te conseguisse dar o comprimento certo de trela (nem demasiado curta, nem demasiado longa) para que te sentisses completo. Eu seria feliz por te ver feliz. Mas tu nunca encontraste, porque só eu te estava destinada…
Devias ter sabido… eu era tua… serei sempre tua… Ah!, maldito, maldito destino!
DU & L_D_I
Votos %
Booklover 4 8,3%
Dasha 2 4,2%
Der Uberlende 5 10,4%
Earworm 4 8,3%
Ines em NY 4 8,3%
Lua_de_Inverno 7 14,6%
Perséphone 5 10,4%
Redbackspider 2 4,2%
Secret 1 2,1%
Shakti 4 8,3%
Silent Child 2 4,2%
Stela 4 8,3%
SweetSerenity 3 6,3%
Understandable 1 2,1%
48
Parabens a TODOS!!
(não digam a ninguém, mas amanhã (dia 2) já vai sair um NOVO desafio! hehehe...)
Der Uberlende
Agora a versão completa, já com o texto da vencedora desta 1ª edição do Desafio Parte II :
Lua_de_Inverno
Pressão... (Parte I)
O som da fechadura a desarmar desperta-me para a realidade. Finalmente cheguei a casa. O piloto automático que todos os dias me reencaminha do trabalho apaga-se, dando lugar ao modo “senta-bebe-esquece”, o meu estado favorito.
De acordo com o BI tenho 51 anos, mas a dor de cabeça que me estala os ossos do crânio insiste em informar que me devo andar a arrastar à séculos pelo peso que sinto sobre mim.
Lembro-me vagamente do que era estar vivo. Lembro-me vagamente do que foi ser feliz e empreendedor. Lembro-me, muito vagamente de me olhar ao espelho e gostar do que via...
Na cozinha, uma tigela vazia no chão lembra-me da companhia da Elisa. Durante 11 anos da minha incipiente vida fui abençoado com a gata mais carinhosa do mundo. Não era aquele tipo de bichano que vive enrolado nos pés do companheiro humano (só fala na palavra ‘dono’ quem nunca teve um gato...) ou que se desfizesse em mimos por tudo e por nada. A Elisa ‘lia-me’ com uma transparência e detalhe que jamais alguma mulher logrou alcançar. Ela sabia confortar-me sem exigir quase nada em troca, sem insistir que eu tinha de mudar, de crescer , de maturar, de ser mais empenhado, menos agressivo, mais homem, menos criança, mais isto, menos aquilo... E era com todo o prazer que eu lhe retribuia o gesto, afagando-a gentilmente no espaço entre as orelhas e o cachaço, deixando-a aninhar-se junto a mim, enquanto viamos televisão pela madrugada.
Frequentemente, a Elisa dava o seu passeio pela rua, saltando da janela da cozinha para o quintal, e daí para o mundo. Ia explorar, descobrir, socializar, andar por ai. Tinha a sua agenda, os seus encontros, a sua vida. Ia e voltava para mim, para o seu companheiro humano. Ia e voltava sempre. Há três meses atrás deixou de voltar. A roda de um carro desenfreado dum daqueles putos asquerosos do tunning, com o seu bonézinho patético e as argolas à pirata nas duas orelhas que separavam o espaço morto e atascado de diarreia onde deveria haver um cérebro e uma alma fez com que a Elisa não voltasse para mim.
Agora, quem me iria acompanhar de madrugada? Sobrava a televisão.
Desde que ela morreu que não durmo, apenas pairo no limbo etílico da minha inconsequente ausência. Arrasto as pálpebras vagarosamente, uma de encontro a outra, mas pelo meio sempre sobra um rasgão de íris e retina que insiste em sobrar para me fustigar com os ásperos fotões do mundo que ruge e brama pela minha alma.
E o que me oferece a televisão? Morte, espectáculo, negligência, sexo fácil e intimidade falsa, porcos e cabras a viver numa quinta, mas que quase parecem pessoas, notícias falseadas, aclamadas, comentadas, esmiuçadas, detalhadas, deturpadas...
Não aguento mais. Pego na caçadeira, calmamente. Carrego os canos...
No andar de baixo instala-se a confusão. Após um sonoro estrondo a bebé da vizinha começou a berrar em pânico e a velhota do 2ª esquerdo corre a ligar para a polícia.
Pressão... (Parte II)
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino! Tinhas 40 anos. Idade suficiente para ter uma família e uma vida arranjada. E escolheste-me entre inúmeros gatinhos deixados intencionalmente num caixote perto de tua casa. Senti o calor do teu olhar e senti que esse calor era só meu, de mais ninguém. Terás percebido então que eu era mais do que uma simples gata? Terás percebido então que havia mais em mim do que pêlo e olhos sedutores? Porque dirigiste a tua mão a mim e não a algum dos outros?
Vejo-te agora, talvez com o mesmo calor no olhar. Talvez porque estás tão abandonado como eu estava quando me tiraste do caixote. O bebé da vizinha continua a berrar e o carro da polícia já enche a rua de clarões azuis, frenéticos como o sangue que jorra impaciente da tua cabeça. O copo meio-cheio (ou meio-vazio?) de uma qualquer bebida permanece ao teu lado. Bem como a caçadeira. Nunca imaginei ver-te assim. Sem uma ponta de dignidade, vencido pela minha ausência e pela tua morte antes do suicídio. Sim, porque já tinhas morrido. E não suportaste estar morto e vivo ao mesmo tempo, muito menos sem mim.
Terás percebido como eu te amava? Como desejava poder arrancar o pêlo e sair de lá, mulher castigada pelo destino, e abraçar-te até à eternidade? Terás percebido que a minha vida fora da tua (nossa?) casa não era mais do que um escape? Como odiava estar contigo – amar-te e estar aprisionada dentro do corpo de um animal. Por isso fugia. Por isso corria desenfreadamente. Por isso me precipitei naquele dia para baixo de um carro e nunca mais pude voltar para junto de ti. Agora vejo-te aqui de cima, deste limbo, e espero-te numa forma que poderás agora compreender. E (quem sabe?) amar.
Não tinhas que ter feito isto, sabes? Eu continuaria a acompanhar-te nas madrugadas de insónia, continuaria a acarinhar-te como merecias e a aceitar-te na tua perfeita imperfeição. Só tu não te aceitavas. Agora tenho de me concentrar na tua imagem destroçada e puxar a tua alma para mim (virás para o meu lado?), tenho de te dar força para não morreres completamente.
Maldito destino… ah, maldito, maldito destino… fora eu mulher e teríamos sido felizes até aos 100 anos. Sem exigir mais, sem pedir mais, porque sempre chegámos e nunca sobrámos um para o outro, e assim seria até ao fim das nossas vidas.
Tens 51 anos… Pareces ter o dobro. E sentias-te velho desde a minha morte. Quem me dera ter mudado isso. Quem me dera ter aberto as tuas pálpebras teimosas para a beleza do mundo, para a insignificância da minha ausência física. Quem me dera que tivesses encontrado uma mulher que te conseguisse dar o comprimento certo de trela (nem demasiado curta, nem demasiado longa) para que te sentisses completo. Eu seria feliz por te ver feliz. Mas tu nunca encontraste, porque só eu te estava destinada…
Devias ter sabido… eu era tua… serei sempre tua… Ah!, maldito, maldito destino!
DU & L_D_I
2 Comments:
Queria fazer um pequeno reparo: falta contares um voto que eu dei ao Fryator, que não está na lista com os meus quatro votos porque foi acrescentada depois de publicação do texto dele. Mesmo sendo apenas um voto, as vezes vale muito, quando se trata de encorajarmos e reconhecermos alguem que investiu em escrever algo para nós... E eu gostei muito do texto dele:)
By Dasha, at 2:45 AM
Oh... deixei passar o prazo de votação... :( Pensei que era até ao fim do dia (mais uma vez li mal). Sinto-me estúpida :|
By rita, at 5:16 PM
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