Uma Sombra
"Correm boatos vagos, por vezes mesmo pseudo-testemunhos,
acerca de uma criatura gigantesca, quase humana, que vagueia só
pelas montanhas do Tibete. Só e livre. Por duas ou três vezes
fotografaram pegadas na neve, em lugares inacessíveis
onde nem o mais intrépido alpinista
ousa aventurar-se. Provavelmente
não passa de uma lenda local: como o monstro de Loch Ness
ou o Ciclope da Antiguidade. A mãe, que bordou
até quase à hora da morte, o pai taciturno e melancólico,
que passa as noites ao computador à procura de evasões fiscais,
todos nós estamos, de facto, condenados a esperar a morte
encerrados na nossa cela. Tu também, na tua errância,
na tua obsessão de ir cada vez mais longe e coleccionar experiências,
carregas contigo a tua própria jaula até ao outro extremo do zoo.
Cada qual com o seu cativeiro. Com grades que nos separam
uns dos outros. E se o abominável homem das neves existir realmente
sem sexo nem par, privado de nascimento, descendência ou morte,
a calcorrear estas montanhas há mil anos, leve e nu,
há-de rir a bom rir ao passar por entre as jaulas."
acerca de uma criatura gigantesca, quase humana, que vagueia só
pelas montanhas do Tibete. Só e livre. Por duas ou três vezes
fotografaram pegadas na neve, em lugares inacessíveis
onde nem o mais intrépido alpinista
ousa aventurar-se. Provavelmente
não passa de uma lenda local: como o monstro de Loch Ness
ou o Ciclope da Antiguidade. A mãe, que bordou
até quase à hora da morte, o pai taciturno e melancólico,
que passa as noites ao computador à procura de evasões fiscais,
todos nós estamos, de facto, condenados a esperar a morte
encerrados na nossa cela. Tu também, na tua errância,
na tua obsessão de ir cada vez mais longe e coleccionar experiências,
carregas contigo a tua própria jaula até ao outro extremo do zoo.
Cada qual com o seu cativeiro. Com grades que nos separam
uns dos outros. E se o abominável homem das neves existir realmente
sem sexo nem par, privado de nascimento, descendência ou morte,
a calcorrear estas montanhas há mil anos, leve e nu,
há-de rir a bom rir ao passar por entre as jaulas."
retirado de “O Mesmo Mar” - Amos Oz
0 Comments:
Post a Comment
<< Home