Ainda Pascal, por Isabel Maia
Estive uns dois dias ausente da internet e é tão bom regressar e encontrar novos textos para ler... Para já deixo aqui um grande texto que a Isabel Maia nos enviou. Obrigado!
Eis-me no cabeleireiro. Uma ida inevitável ao cabeleireiro. Uma daquelas coisas que é necessário fazer de vez em quando…
Parece ser o local menos propício à reflexão, mas sem quase dar por isso, ouço as conversas que me circundam, olho para as imagens na televisão que está ligada, enquanto espero com uma paciência estóica a minha vez. Apetece-me escrever. Peço papel (caneta já tinha!) e começo…vêm-me logo à mente as sábias palavras de Pascal que dizia que não nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio ser: queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginária e esforçamo-nos por assim o parecer. (*)
Ainda Pascal, sempre actual…
Vivemos num “mundo light”, com ideias e pensamentos “light”. Afastados de nós mesmos, percorremos corredores barulhentos de centros comerciais frenéticos, procurando entrar na avalanche, juntos, mas sós, em direcção a um “não-sei-quê” que nos faz mover.
Pensar parece incomodar cada vez mais e, fundamentalmente, incomodar os outros. Num mundo “light”, pensar é pesado, pesado demais. Procura-se viver da ilusão de se ser algo e já não alguém. Foge-se do olhar do outro como se foge do pensamento. Em última instância, foge-se de nós mesmos. E o que se desvela, apenas se esconde, cada vez mais. Em roupas de Barbie, onde não é suposto caber-se, desfila-se, desvela-se o corpo na ausência da alma.
Somos invadidos, diariamente, pelos reflexos de uma sociedade vazia. Pretendem tolher-nos o pensamento…a televisão “bombardeia-nos” com o apelo aos sentidos e prolifera, por todo o lado, uma ética da quantidade. Trata-se de viver mais depressa, estamos na época do fast, é preciso sentir a adrenalina, esgotar e esgotar-se. Esvai-se o respeito pela VIDA, pelo Outro. O Homem canaliza o seu vazio, o seu “sem-sentido” para o mais fraco. Subjugar é assumir o impoder; subjugar é esquecer a culpa. Deixamos de ter tempo para a alma, deixamos de querer saber disso. Num mundo “fast”, interessa o já feito, pronto a digerir, a consumir, o caminho já por muitos percorrido. Tudo, menos PENSAR.
E quando o frio dá lugar às temperaturas amenas, a chuva ao sol, pensar torna-se ainda mais penoso. Assim, quando a Primavera começa a surgir, a beleza da Natureza confunde-se com a imbecilidade humana. As revistas invadem-nos com corpos perfeitos ao alcance de todos (e por que é que todos haveriamos de querer ter corpos perfeitos??), belas roupas (supostamente…) que apenas podem assentar bem em cabides ou cruzetas, dietas milagrosas, curas para todos os males (mas quais são os verdadeiros males??), notícias bombásticas que alimentam a futilidade, a vida alheia, destinos de férias paradisíacos, novas e aliciantes possibilidades de crédito, fantásticos testes para descobrir (finalmente!!) a “alma gémea”, deliciosas receitas saudáveis que não engordam (?), dicas preciosas para reconquistar o seu ex-namorado, enfim…a lista é infindável. Pergunto agora: e o SER? Sim, no meio de tudo isto, apetece-me gritar: ONDE ESTÁ O SER? O SENTIDO? O CAMINHO? O grito é tão alto e estridente que quase desfaleço. Recebo de volta o eco da minha voz que se entranha no vazio…não há nada, nem ninguém para me ouvir para além do meu cão que me olha, fixamente, com uns olhos tristes…desesperado por EU ser humana.
Sento-me no chão, encosto-me ao armário e consolo-me no seu pelo fofo e quente. Aquela respiração canina no meu pescoço humano, devolve-me à esperança. Um olhar, um gesto, um abraço e eis que os dois fazemos parte de um só mundo, um mundo do qual ele apenas conhece a amizade, o amor, o perdão, a fidelidade. Rola uma lágrima, mas sinto-me segura. Acredito que me encontro e que sou EU cada vez que deixo voar o pensamento…
E vêm-me, novamente, à mente as palavras de Pascal: Ora em que pensa o mundo? Nunca em tais coisas; mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em correr à argola, etc.; em bater-se, em fazer-se rei, sem pensar no que é ser rei e ser homem.
Março/ 2005
Isabel Maia
2 Comments:
Cara Isabel,
É dificil acrescentar algo mais às tuas sábias e ponderadas palavras. Vivemos de facto uma época estranha, onde o fútil é essencial e a essência indesejada e mal vista. É complicado insistir em existir num mundo social que nos impõe um nivelamento "por baixo". É demasiado doloroso sobressair num grupo que desprezamos mas sem o qual não sabemos viver. Estamos viciados em preconceitos, falsas virtudes e orgulhos vazios, demasiadamente prenhes de entretenimento e violência. Não somos iguais nem homogéneos, e no entanto fica a sensação de que um deus demasiado distraído se esqueceu do mundo no forno e fez as nossas almas mirrarem e secarem, perdendo de vista o caminho do Uno, da reunião, da re-ligação. Somos como crianças abandonadas numa casa de brinquedos: aborrece-mo-nos de morte com as nossas brincadeiras egoistas e pueris, e agora que nos é exigido crescer detestamos aquilo em que nos tornámos...
Muitos iluminados debateram prolongadamente este vazio existencial em que nos deixámos mergulhar. Um deles foi Roger Waters, num tema soberbo que te dedico
o meu genuino agradecimento por este interessantíssimo texto
Der Uberlende
Roger Waters - Amused to Death
Doctor Doctor what is wrong with me
This supermarket life is getting long
What is the heart life of a colour TV
What is the shelf life of a teenage queen
Ooh western woman
Ooh western girl
News hound sniffs the air
When Jessica Hahn goes down
He latches on to that symbol
Of detachment
Attracted by the peeling away of feeling
The celebrity of the abused shell the belle
Ooh western woman
Ooh western girl
And the children of Melrose
Strut their stuff
Is absolute zero cold enough
And out in the valley warm and clean
The little ones sit by their TV screens
No thoughts to think
No tears to cry
All sucked dry
Down to the very last breath
Bartender what is wrong with me
Why am I so out of breath
The captain said excuse me ma'am
This species has amused itself to death
Amused itself to death
Amused itself to death
We watched the tragedy unfold
We did as we were told
We bought and sold
It was the greatest show on earth
But then it was over
We ohhed and aahed
We drove our racing cars
We ate our last few jars of caviar
And somewhere out there in the stars
A keen-eyed look-out
Spied a flickering light
Our last hurrah
And when they found our shadows
Grouped around the TV sets
They ran down every lead
They repeated every test
They checked out all the data on their lists
And then the alien anthropologists
Admitted they were still perplexed
But on eliminating every other reason
For our sad demise
They logged the only explanation left
This species has amused itself to death
No tears to cry no feelings left
This species has amused itself to death
By Der Überlebende, at 2:05 AM
A minha opinião sobre este texto já foi directamente via email para a autora!
beijinho
By Eduarda Sousa, at 3:00 PM
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