Luz e Sombra

Tuesday, September 27, 2005

DT - Setembro: CORACAO INDEPENDENTE EU NAO TE ACOMPANHO MAIS, por Joana

Recebemos mais um contributo para o Desafio Temático de Setembro, vem directamente daqui. Um beijinho cheio de saudades.


Eu dormia numa caminha de grades ao lado da cama dos meus avos,a minha avo segurava a minha mao no escuro ate eu adormecer. Lembro-me tambem de a ouvir cantar a noite, mas nao tenho a certeza que essa recordacao seja verdadeira.
A minha avo era uma mulher pequena e magrinha, tuberculizou quando era nova e por causa disso sofreu de falta de ar a vida toda. Talvez porque ela soubesse tao bem o que era ser pequeno e vulneravel, quando saimos a rua apertava a minha mao com muita forca para que nao me perdesse. Nas fotografias da altura eu olho para a camara de frente e sorrio; se calhar porque sei que a minha avo nao vai largar a minha mao nem de noite nem de dia, se calhar porque estou a espera de ver sair o passarinho.
Os meus avos tinham um canario amarelo que so cantava quando o sol batia na gaiola. Um dia o canario morreu e a minha avo explicou-me que o coracao dos canarios e muito fraquinho, que as vezes para morrerm basta um susto ou sentirem-se tristes.
O meus avos compravam o Comercio do Porto a meias, quando o meu avo acabava de o ler eu levava-o ao vizinho de cima. O sr Assuncao falava pouco e muito baixinho, passava as tardes num terraco envidracado a apanhar sol e a recortar noticias do jornal para colar num album. Morreu numa terca-feira por volta da hora do almoco enquanto lia O Comercio. A minha avo contou-me que ele tinha uma angina de peito, e eu fiquei a cismar se ele teria morrido de susto, por estar triste, ou se por causa de alguma fraqueza de coracao.
Depois foi a vez do meu avo e passado uma ano a minha avo teve um enfarte enquanto enfeitava a campa dele com um ramo de crisantemos brancos. O guarda do cemiterio de Agremonte disse-me que ela morreu como um passarinho, e eu acredito nele porque os canarios morrem de tristeza.
O primeiro rapaz por quem me apaixonei nasceu com um sopro no coracao e nenhum medico deu fe. Morreu durante uma partida de hoquei em patins,o Sport estava a ganhar por 21 a 19 ao Nau Vitoria do Monte Aventino e o Manel jogava a defesa lateral esquerdo.
Morrer nao deve ser triste de todo se voltar a encontrar os meus avos, o sr Assuncao e o meu primeiro namorado. Tambem gostava de voltar a ver o canario, mas isso e capaz de ser pedir muito.

3 Comments:

  • Este texto tocou-me profundamente. Vivo momentos díficeis, vejo os meus dois avôs (paterno e materno) a quererem partir, os corpos a envelhecerem a cada dia que passa. Não sei como vai ser sem eles...

    um grande beijinho

    By Blogger Eduarda Sousa, at 2:18 PM  

  • Eh, nao me facam corar...
    Obrigada pela recepcao tao calorosa aqui no Luz e Sombra, um blog que ja visito ha muito tempo.
    :)

    By Blogger Joana, at 10:11 AM  

  • Cara Joana

    Antes de mais, bem vinda à mini-tribo!


    O teu texto tem um ritmo muito giro, que me recorda imenso as peripécias da Amelie Poulain. Está sólido e intenso, sem no entanto cair na tristeza depressiva, é leve e no entanto transporta uma carga imensa.
    Concordo com a comparação feita com o mestre Lobo Antunes. Não se trata de te querer elevar ao estatuto de um escritor profissional com milhares incontáveis de paginas escritas, mas sim de te referenciar num estilo muito próprio e muito complicado de igualar.
    Tens o teu estilo, gosto da tua maneira de desenrolar a história

    ficamos todos à espera de mais!

    É um luxo podermos contar com pessoas como tu, a Vera, a sweetserenity, a PiP, o Gilvaz, e por ai fora, enfim... é maravilhoso poder-vos ler aqui neste cantinho!

    um forte abraço a toda a malta

    Der Uber.

    By Blogger Der Überlebende, at 12:30 PM  

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