Luz e Sombra

Saturday, March 11, 2006

O Derradeiro Desafio Parte II: Der Uber's End

Desafio Parte II Especial

Conforme prometido, aqui está a explicação do que se vai passar:

O Der Uberlende vai ser eliminado. E a minha proposta é que (além da minha versão) sejam voces a fazê-lo, na sequência de uma primeira parte que vos apresento.
Cabe a cada um dos interessados escrever a segunda e derradeira parte da história do Der Uber, mas com 3 condições:

1 - Esta é a última vez que eu escrevo como Der Uberlende. A morte da personagem vai equivaler ao desaparecimento da blogosfera. O perfil do Der Uber vai ser efectivamente desactivado. No entanto, como dizia Lavoisier, "nada se perde, tudo se transforma..."

2 - Na vossa versão da Parte II tem que haver uma referência, directa ou indirecta, a pelo menos uma personagem dos contos do Der Uberlende, com o devido hyperlink para o conto em causa.

3 - A 13 de Abril de 2006 publico a minha versão II e dou por encerrado o Desafio. Não vai haver qualquer tipo de extensão do prazo. Mesmo.

A todos os que me acompanharam, o meu sincero agradecimento e reconhecimento por todo o apoio que deram ao longo destes 14 meses.

Cordiais saudações a todos,

Der Überlende

11 de Março de 2006


Der Uber’s End (Parte I)

De algum modo, parece que ele sempre soube como ia ser...

À primeira vista, não havia nada que o distinguisse dos restantes ‘zés-ninguém’ que passavam ocasionalmente pelo Hotel. No entanto, havia algo naquele homem, algo estranho e docemente perverso se escondia no sorriso assimétrico e no olhar arrepiante, pois tinha tanto de meigo como de sádico. De todas as criaturas iverossímeis que já haviam sido registadas no livro de visitantes do Hotel, este foi o que mais me chamou à atenção. Não porque fosse óbvio o que ele viera ali fazer. Precisamente o oposto. Não conseguia entender se se tratava de mais um quadro-médio à procura de uma noite de aventura com uma das pegas do bar do lobbie, se de um desses engenheiros prepotentes que viera para o Hotel assistir ao Encontro de Estruturas Anti-Sísmicas que decorria na ‘Sala Golden’, ou simplesmente um viajante, um vagabundo do limbo que decidira assentar a poeira e beber um copo no Hotel Cristal.

Ele vestia um fato cinzento escuro de corte italiano, casaco desabotoado a mostrar a camisa branca de seda e a gravata vermelho sangue que parecia escorrer do seu pescoço que rodava suavemente, parecendo querer descontrair a cabeça cansada que procurava repouso ou concentração. O porte elegante, embora pouco vistoso, contrastava fortemente com uma pasta de couro ‘batida’ e velha que segurava com firmeza na mão direita.

Chovia torrencialmente lá fora, a noite fria e tempestuosa dos primeiros dias de Março era o oposto do dia quente e ameno de Sol que estivera poucas horas antes. De facto, se bem me lembro, o temporal parecia rugir baixinho, como um cão ameaçador que permanece deitado e aparentemente calmo enquanto rosna ao se aperceber da chegada de um estranho. Uma das habitués do átrio comentou baixinho que a noite estava a deitar as garras de fora, adivinhando uma madrugada violenta e um alvorecer morbido e frio. Típica observação da Mary, sempre agarrada ao seu porta chaves, com um bonequinho de cordeiro meio sujo e desgrenhado, enquanto esperava pelo cliente certo, de preferência bem mais velho que ela, que não devia ter mais do que 20, 21 anos. Ninguém sabia bem de onde ela vinha, mas corriam boatos arrepiantes que crescera no campo no seio de uma família aparentemente pacífica e de boas maneiras. Até que um dia foram dar com eles brutalmente assassinados, despedaçados e desfigurados pela lâmina ferrugenta de uma foice. A Mary teria sido poupada ao massacre, e foi encontrada suja de sangue e catatónica, enrolada sobre si própria por baixo da bancada de ferramentas do avô. Não teria mais de 10, 11 anitos dizem. Nunca se soube quem fora o assassino, um brutal psicopata que se mantem a monte passado todos estes anos...

Ele dirigiu-se à recepcionista e perguntou pelo nome de uma tal Mafalda. Sarah, a recepcionista, afirmou não conhecer ninguém com esse nome, que ele deveria estar a fazer confusão com o Hotel, sugerindo mesmo que essa pessoa pudesse estar registada sobre outro nome, ou fosse apenas uma das frequentadoras do bar. Ele sorriu, com aquele charme oblíquo e quase enternecedor que o caracterizava, afirmando que pretendia um quarto para aquela noite, independentemente de Mafalda lá estar ou não. Sarah anuiu e pediu-lhe o nome. “Uberlende”, respondeu ele entre dentes, fixando os seus olhos escuros nos azuis metálicos de Sarah, que embora já nos seus ‘trintas’, mantinha o charme de criança atrevida que rouba beijos aos seus jovens pretendentes, às escondidas das amigas. A sua jovialidade e electricidade pareciam cativar o visitante, que passando suavemente a sua mão gelada sobre a de Sarah lhe segredou: “Trate-me por Der Uber”. Sarah respondeu com um risinho adolescente, mordiscando o lábio inferior enquanto volteava os olhos e mexia o cabelo, afirmando “Der Uber, bem vindo ao Hotel Cristal. Da minha parte tudo farei para que a sua estadia seja o mais agradável possível!”

Der Uber despedia-se de Sarah com um piscar de olhos e voltava-se agora para o bar. Ao passar no átrio não deixou de reparar em Mary, que cantarolava baixinho enquanto afagava o seu cordeiro, do mesmo modo que achou deveras deliciosa a maneira como duas mulheres muito bonitas, com um inconfundível sotaque brasileiro, faziam as delícias do playboy louro e atlético que as galava de alto a baixo, com a firme convicção de que hoje a caça era a dobrar, e que um festim de sexo sem tabus o esperava no quarto das graciosas garotas. “Hum, carninha fresca e deliciosa”, lia-se nos seus olhos de narciso..
.
No corredor que dava acesso ao bar via-se uma série de antigas fotografias, onde se podia ver a história dos antigos proprietários, com pequenos trechos de texto a acompanhar. Numa das fotos mais antigas, meio desgastada pelo tempo e pela passagem por outros sítios que a dourada moldura não deixava adivinhar, via-se um homem de aspecto duro e austero, bigode revirado e olhos minúsculos, vestido com um pesado fato negro típico dos nobres endinheirados e demasiado tementes a deus que fizeram fortuna e miséria no virar do século passado. Ao seu lado estava uma pequena rapariga, franzina e com um ar assustado, tranças longas e sardas, pálida como cera e com a face da doença estampada no rosto. Pobre criança, que teria sido feito dela, figura patética e fraca agarrada à sua bíblia revestida de couro negro. “O fundador do Hotel Cristal” D. Damião Trancoso de Arryaga e a sua Filha D. Augusta Benedita, 1919”. Ao lado, a foto do penúltimo dono, um empresário de Lisboa, falecido num brutal acidente de automóvel quase à porta da casa onde vivia a sua mulher e filha. Lá estava ele, com dois amigos ao seu lado, rindo despudoradamente. “Dr. Henrique Silvestre e seus sócios Eng. Braga Magalhães e Dr. José Batalha, Quénia 2001”. Em letra pequena se lia por baixo da legenda principal: “Para nós chegaste a casa, são e salvo, como estarás sempre no nosso coração. Laura e Sofia.”

Uber sentava-se tranquilamente no banco alto do bar, pousando a estoirada mala de couro no chão e esfregando os olhos de um cansaço ligeiro mas indisfarçável. Um rapaz magro e macilento sentava-se dele e com os braços cruzados sobre o balcão comentou “ Não sei como suportam esta música de elevador... a ter que aturar estes pianistas enfadonhos de pseudo-pop-jazz prefiro mil vezes ficar em casa a escutar rádio, de preferencia na solidão e silêcio da noite. Era o que deveria ter ficado a fazer hoje... mas enfim... dizem que mesmo os espectros gostam de companhia uma vez ou outra, não é?”. Uber ouvia-o, sem contudo olhar directamente para ele. Sentia-se incomodado com a sua presença, parecia que o ar se enchia de electricidade estática, crepitando com estalidos secos e gemidos agudos a sibilar baixinho. Devia ser a trovoada que se agravava, enchendo o ar de iões conflituosos à procura de almas instáveis para soltar aderradeira faísca. O barman entretanto aproximou-se deles e perguntou a Uber o que iria ser. Ele pediu um ’black russian’, ao que o barman respondeu “Vodka com licor de café, certo? Em copo alto ou curto?”. “Curto, pouco gelo por favor”, respondeu.

Nesse momento, entrava no Hotel uma morena de caracois largos e abundantes, corpo delicado mas extremamente bem torneado, com um vestido negro justo e um longo casaco de cabedal, igualmente negro como a noite que se pusera lá fora. Vinha sozinha e parecia saber perfeitamente ao que vinha. À medida que se aproximava de Sarah, a recepcionista, caminhava majestosamente, como a última das herdeiras de Lucrécia Borgia. Exibia um misto de candura inocente e de instinto assassino, marcando a lume a retina dos que ousavam olhar para ela. Sarah engoliu em seco quando ela chegou ao balcão e pousou a pequena bolsa de veludo vermelho sangue, exactamente da cor da gravata de Uberlende, baixando os óculos de lentes ligeiramente escurecidas enquanto perguntava: “Procuro um senhor chamado Uberlende, Der Uberlende”.

(Fim da Parte I)

3 Comments:

  • Acho que não consigo dar continuação a isto :\
    **

    By Blogger Perséfone, at 12:29 PM  

  • Embora trinta mil maneiras de te matar me passem pela cabeca, estou como a persefone... mas vou tentar, porque O Der Uber merece uma morte em grande. Embora sem acentos ortograficos :) Promete que voltas noutra forma, seja ela mais placida ou ainda mais viciosa!

    By Blogger smallworld, at 8:36 PM  

  • e eu que ainda não ganhei coragem para comentar esta decisão... de qualquer maneira esforçar-me-ei para te dar uma boa morte :)

    By Blogger Eduarda Sousa, at 10:54 AM  

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