Luz e Sombra

Tuesday, March 29, 2005

Desafio 500, por que não? Der Igel volta a atacar, a um preço bastante competitivo ;)

Alice

A voz grave e trémula sobrevoa demoradamente um olhar deserto, gretado pela erosão que desceu há alguns anos sobre a sua vida.

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada…”

Lê baixinho, empregando todo o fôlego da respiração no cansaço da voz.

“… À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Estes primeiros versos da Tabacaria de Pessoa são lidos no cadeirão velho do quarto, engelhado pelas marcas da solidão. Resta-lhe a companhia do poema que Pessoa escreveu, quando se sentia só no universo.
Alice tem os seus 75 anos assentes numa postura aristocrata. Um olhar nobre reluz do cenário trágico que são as rugas fundas do seu rosto. As mãos de Alice seguram o livro com o mesmo amor de uma avó a embalar um neto recém-nascido nos braços. Há muitos anos que Alice se senta à noite a ler a Tabacaria, mas não conseguiu ainda transpor estes quatro primeiros versos.
O terror daquele som invade o quarto devagar, circunda-a.
Invade-a.
É um som que a princípio é brando e tem uma cadência serena. São os estalidos lentos, compassados, das gotas de água que se soltam da torneira gasta e enferrujada da casa de banho. Mas este rumor abafado que ecoa lá do fundo penetra devagar a leitura, com laivos de memória que se interpõem entre os olhos Alice e os versos de Pessoa.
Ela tenta sempre resistir, enquanto a visão não turva. Com a paciência da avó que não veio a ser, enxuga os olhos e ergue-se contra o sangue que corre em sentido contrário no seu peito. Expele o passado da sua voz, quase gritando, e avança na leitura.

“Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é”

Mas o seu olhar abate-se, novamente.

“…(E se soubessem quem é, o que saberiam?)”

O quarto escurece, o livro escorrega-lhe das mãos. Alice permanece debaixo do jugo das sombras que cobrem tudo. Apenas os seus olhos brilham naquele silêncio dominado pelos ecos da torneira. E acima desta, encontramos um espelho baço, que reflecte a imagem turva de Alice com 30 anos. Ela olha-se com o sacrifício cumpridor de todos os dias. Veste-se a preceito, retoca a maquilhagem. Lingerie vermelha e sexy, pronta a servir os homens. Mas enquanto engole as lágrimas e as dúvidas, há sempre um grito, um choro de criança que vem do quarto e circunda-a.
Invade-a.
- É hoje. Vou matá-la. É ela ou eu – pensa, enquanto se dirige ao quarto, onde uma criança se desfaz em choro, atrás da almofada.
- Vem Alice, tu és forte. Tens que crescer!
- Mas eu não quero crescer! – Replica a criança – Quero sonhar!
- Sonhar?!? Não sejas estúpida!... É perigoso sonhar! – Repreende-a, enraivecida.

“Consegui matá-la”, pensa hoje Alice. E nas sombras do quarto, o som da torneira vai-se tornando ténue, distante. O olhar reluzente de Alice apaga-se devagar.

“É perigoso sonhar!
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

29 de Março de 2005
Der Igel

Sunday, March 27, 2005

"Only Pain is Real"; 500 palavras para um blog

Sempre que olho para ti vejo atrás da máscara séria, uma alma torturada e infeliz.
Tento descortinar o que se terá passado para chegares a este ponto de decadência humana... Encontro-te sempre com uma cerveja na mão e um cigarro. Mais do que o teu orgulho, a tua ruptura com a sociedade impede-te de pedir alguma coisa a alguém, seja comida, cigarros ou abrigo. Por isso é frequente encontrar-te à procura de beatas nas bermas dos passeios! Alheado de tudo o que se passa à tua volta, não reparas nos olhares de desprezo, nojo e pena que as pessoas te lançam fulminantemente, sofrerias ainda mais se te desses conta!
Gostava de saber do que foges, do que tens medo?O teu sofrimento é atroz, os teus olhos fundos e cavos não escondem a depressão em que vives mergulhado! Tentas aliviar a dor com analgésicos. Onde os arranjas, se não tens dinheiro e não pedes nada a ninguém? nunca consegui descobrir! És de parcas respostas e eu não insisto! não és perfeito, mas quem é? neste mundo de dor e podridão. Achas que a solução para Aquilo que te consome a vida é fugir? E não te desculpes com um “sou uma pessoa muito sozinha”, se tu amas a solidão e procuras nela o refúgio para continuares a alimentar a tua dor e o teu sofrimento, se tu afastas-te todos à tua volta! Não sei porque ainda finges um sorriso na cara quando me vês se os músculos e expressão te traem a toda a hora com uma tristeza profundamente cravada ao longo dos anos. Sentes-te a andar à roda numa cadeira e não consegues pará-la, falta-te oxigénio para conseguires aguentar mais um dia, mas cá continuas e sempre nesse estado mórbido, com as sensações anestesiadas pelo alcool e cigarros. A verdade é que queres que a sociedade te bata e magoe porque estás enamorado da dor e já não sabes viver sem ela. Dizes-me que respirar é a única coisa que te mantém vivo e já não tens control sobre nada, afastas-me porque não queres que eu me afunde contigo. Só que não percebes que já fazes parte de mim e da minha vida e que simplesmente não me posso ir embora como se nunca te tivesse conhecido. Maldito sejas! Enebriado na tua dor nem sequer consegues olhar para o lado!? Perdes-te o respeito dos teus pais, foste despedido do emprego, afastas-te todos os teus amigos e agora queres me afastar também?. Mas eu não desisto de ti, continuarei cá, não para alimentar a tua dor mas para te fazer acordar para a Vida. Guardo a esperança de um dia saires do inferno maldito em que te afundas-te. Construis-te muros à tua volta e quando eu tento passar repeles-me violentamente mas depressa desistes... afinal sou eu que tento manter alguma conexão entre ti e o real! Estás feito num farrapo vadio, sem rumo nem eira vagueias por aí o dia todo.
Espero pelo dia em que voltarás a sorrir novamente...

Friday, March 25, 2005

Rádio; 500 palavras para um blog

Rádio.
Ruídos, sons longínquos que se aproximam num crepitar sussurrante, que se vêem aninhar junto do fogo eléctrico do diálogo silencioso de transístores, resistências e condensadores. Ondas fantasmagóricas invadem o éter, impelindo a dança rodopiante da energia com a matéria a assentar arraiais numa placa de sílica, plástico e desenhos de solda, ora plúmbea, ora acobreada. Uma fatia de sol codificada, um rasgão na quietude do turbilhão subatómico do velo invisível que nos rodeia, um convite ao desassossego, uma sedutora teia de nada que em tudo se enrola, que atravessa carne e osso, mente e alma, colide na pedra e reflecte no vidro e no metal, propaga-se, desdobra-se em harmónicos precisos, traz informação no seu ventre, qual cadeia de ADN prenhe de vozes, música... e ruído, um infindável ruído miudinho, sibilante como a serpente de Eva, que assobia como as areias do deserto a girarem no vento quente, áspero e seco da fúria do Saara ou do Sael.
Xavier escutava. Carregava gentilmente no botão, sentido o prazer íntimo do pequeno clique que activava a passagem de corrente pela bobine do transformador, iniciando a cascata de electrões gorgolejante de impulsos alternados. Girava gentilmente o potenciómetro, ajustando o volume até este ser o adequado para os seus frágeis ouvidos de ouvinte esfomeado. Baixo. Gostava do som baixo, em que a emissão se confundia com a estática e o burburinho das frequências sobrepostas. Sintonizando lentamente ao longo de toda a largura de banda, cortando e modelando as ondas electromagnéticas que vertiam pela antena de cobre e alumínio do pequeno receptor de secretária, Xavier vogava e conhecia mundos, descobria maravilhas e calamidades, escutava sábios diligentes e gente execrável e patética a guinchar por atenção, deliciava-se com melodias divinas, canções embaladoras e poemas poderosos como as palavras dos deuses no Olimpo e os tormentos das almas no Hades. Contorcia-se com esgares de repulsão perante a banalidade e mediocridade popularucha dos temas que emitiam nas rádios comerciais, ficava chocado quando escutava “a música da sua preferência”, ou pior, “para escutar com alguma insistência”. Xavier tinha que ir a correr vomitar o asco e desprezo daqueles aqueles ataques de vulgaridade mercantilista, que iriam não só passar impunes, mas ainda ser apaparicados pelos media, numa orgia de interesses e jogos de poder centrados no volume comercial das vendas de discos. Que se danasse o livre gosto de quem estivesse do outro lado, teriam que ser desbastados e educados a escutar “a musica da sua preferência”. Mas Xavier não desistia, a rádio era a sua companhia de eleição, a única no mundo que existia para ele, e ele escutava, percorria a escala de megahertz em onda média e frequência modelada, sempre em busca da companhia ideal para mais uma hora de solidão. Xavier estava só. Tinha apenas por companhia os outros fantasmas que se passeavam pelas ondas da rádio e o seu cadáver putrefacto que jazia sobre o chão da sala há mais de três anos, para o qual ele olhava de tempos a tempos com um olhar desinteressado.

25 de Março de 2005
Der Uberlende

Tuesday, March 22, 2005

Desculpem lá, não são 500... são muito mais do que 500. E todas para ti, meu anjo

“Deleito-me com os golpes fundos das palavras afiadas que jorram o sangue às golfadas directamente do meu peito ” dizia eu, a respeito de certo ser o sofrimento. Mas agora, sobre ti, deito-me. E o teu olhar traz-me um alento que floresce sobre as feridas que pensei insanavelmente vivas. Sobre os sulcos da minha carne descem as tuas mãos curandeiras. Bebo da tua saliva, meu anjo Gabriel, as palavras verdadeiras.

Março, 2005
Gui

blog de 500 coisas, por Der Igel

SISTEMA

A vida fluía como sempre na grande Lisboa. A azáfama normal entre as treze e as treze e trinta. O trânsito lento e compacto. A sofreguidão do contra-relógio, o aperto no coração em cada sinal vermelho. O jacto denso de adrenalina que pulsa nas artérias da vida urbana, rasgando com o ruído de buzinas o bafio da atmosfera baça, podre, mundana. É a esta hora que os milhares de vultos esfaimados de Lisboa procuram o abrigo quotidiano dos restaurantes. Vultos de homens enfatuados, olhares empertigados e sorrisos arrogantes entram diariamente no restaurante onde ELE serve à mesa. E uma vez sentados, todos os homens relaxam nos seus efémeros lugares que velozmente se sucedem. E coçam a comichão das calças nos bancos onde os regos se roçam, enquanto chamam o empregado, apontam para o menu e pedem. E acima do frenesim de vozes e risos soa o som perene e sobranceiro da televisão, que mostra as normais notícias do dia-a-dia: a miséria de um mundo distante, que não estremece as bocas cauterizadas pelo sistema, habituadas à frieza mecânica de devorar. “A vida é um SISTEMA feito para não sonhar” grita um velho maluco que ninguém quer ouvir. Todos fingem conversar, rir, desligados do velho e das notícias da televisão, enquanto as bocas devoram a rápida refeição.
Só ELE, que serve à mesa, ouve o velho maluco e as suas alucinadas intervenções. “Oiçam-me bem, a vossa vida é um SISTEMA parasita que vos devora os sonhos!”. Mas ninguém lhe liga e o velho returque “Ou então não me oiçam! E devorem essa comida! Devorem, que quem vos devora é o SISTEMA, que vos come por dentro toda a vossa vida!”. E nisto o velho puxa pelo braço d’ELA, que recorre ao empregado com um olhar de quem está a ser incomodada. ELE, que sempre fora um empregado simpático e gentil, encaminha o velho para fora do restaurante e a normalidade restabelece-se, ao som das notícias da televisão.
ELA agradece mas nem lhe olha. Afinal, ELE é o empregado e ELA a cliente habitual que vem todos os dias almoçar sozinha, envolta nos seus afazeres que toldam o seu olhar vazio e impassível do resto do mundo. Do mundo que os seus olhos atravessam pela televisão, frios, sem nada ver. ELA dilui-se todos os dias na multidão daquelas horas lestas a passar e devora quase sem olhar grandes pedaços de comida. ELA é apenas mais uma mulher. Minada pelo sono de uma noite mal dormida. Minada pelos estilhaços de uma vida que tenta todos os dias esquecer. Os seus olhos cansados apenas vivem para o amanhã.
E a vida fluía como sempre na grande Lisboa, não fosse no dia de amanhã o velho não aparecer. Nesse dia, ELA levantou os olhos para ELE. Viu-lhe escorrer, no rosto simpático e gentil, uma lágrima.
Hoje a vida fluía normal, entre as treze e as treze e trinta, não fosse esta notícia encher os canais da televisão:
“Naquele restaurante de Lisboa, todos choraram de comoção”.

22 de Março de 2005
Der Igel

Thursday, March 17, 2005

Amigos & Solidão

"O que é necessário é só isto: solidão, grande solidão interior. Ensimesmar-se e por horas e horas não ver ninguém, - tem de se conseguir isso."
Cartas a Um Jovem Poeta - Rainer Maria Rilke

Como eu gosto e aprecio os momentos passados com os meus amigos. Como eu preciso deles, da sua companhia, de falarmos que nem umas gralhas, de aprendermos, de rirmos, de chorarmos, de discutirmos, de nos irritarmos uns com os outros, de crescermos, de caminharmos juntos nos terrenos pedregosos e escorregadios da vida.... Quantas vezes não me apetece estrangulá-los pelas verdades que me dizem e por isso custam a ouvir e reconhecer... Amo-os como pessoas independentes de mim, unos, com opiniões opostas às minhas, cheios de defeitos insuportáveis... (hihiii)
Isto tudo para falar de quê? Da solidão. De como gosto e preciso de estar com eles assim como preciso de passar longos momentos sozinha. O silêncio e a solidão são também companhias indispensáveis para eu manter alguma segurança e estabilidade psicológica. Preciso de tempo sozinha para pensar, assimilar tudo o que me rodeia, recuperar energias para depois voltar à luta... Quando estou com eles gosto de estar por completo, ou seja, presente fisicamente mas também emocionalmente, dar-lhes toda a atenção e carinho que merecem de mim (e também andar à porrada se for preciso!). Para tentar conseguir isso preciso de ter recarregado as baterias. E como se faz isso? Na solidão onde procuro conhecer-me, descendo às entranhas e vísceras da minha pessoa, explorando as minhas limitações e fronteiras, transformando-me, tentando tornar-me uma pessoa melhor, enfrentando os meu medos e demónios (tendo a clara noção que é uma luta para toda a vida), escrevendo, lendo...
Mas obviamente que a minha relação com a solidão não é sempre assim tão pacifica e acolhedora. Porque me faz estar sozinha comigo própria é dolorosa, arrasta o desespero, o medo. Sim, a solidão é difícil, muito difícil, e por isso é que não devemos fugir dela,

"Sabemos pouco, mas que temos de nos agarrar ao que é difícil é uma certeza que não nos poderá abandonar; é bom estar só, pois a solidão é difícil; que alguma coisa seja difícil deve ser mais uma razão para que a façamos."
Cartas a Um Jovem Poeta - Rainer Maria Rilke

Deixo a seguinte pergunta,
Será que alguém que não consegue estar sozinho, que precisa de estar a toda a hora rodeado de amigos/conhecidos, conseguirá alguma vez ESTAR verdadeiramente com alguém?




"Considero saudável ficar sozinho a maior parte do tempo.(...) Na maioria das vezes somos mais solitários quando circulámos entre os homens do que quando ficámos sozinhos, onde quer que se esteja."
Henry David Thoreau; Walden ou a vida nos bosques

A Felicidade Está Fora da Nossa Realidade

A Felicidade Está Fora da Nossa Realidade
O amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus orgãos, podeis dizer com razão que ele enlouquece. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não está em si... Volta a ti... Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito é o amor, maior a loucura e mais feliz.
Quem será, pois, essa vida no Céu, à qual aspiram tão ardentemente as almas piedosas? O espírito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espírito será absorvido pela suprema Inteligência, cujos poderes são infinitos. Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro e a única razão da sua felicidade será de não mais se pertencer, mas de submeter-se a este soberano inefável, que tudo atrai a si.

Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela, conseguem saborear e antegozar o perfume de tal vida. Isto não é mais do que uma gotinha em comparação com a fonte infindável da felicidade. Porém, é prefeírvel a todos os prazeres da Terra, mesmo que se fundissem num só, de tal modo o espírito supera a matéria e o invisível o visível! Esta é a promessa do Profeta: «Os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração não sentiu as delícias que Deus prepara para os que o amam.» Tal é esta loucura que não acaba, mas que se aperfeiçoa com a passagem para a outra vida.
Aqueles que tiveram o privilégio tão raro de tais sentimentos, experimentam uma espécie de demência: falam sem coerência, pronunciam palavras sem sentido e a cada instante mudam a expressão do rosto. Ora tristes, ora alegres, riem, choram, suspiram. Em resumo, estão fora de si. Quando voltam a si, não sabem dizer onde estiveram, se estavam ou não no seu corpo, despertos ou adormecidos, que ouviram, disseram ou fizeram. Só se recordam como que através de um sonho ou de uma nuvem. Sabem somente que foram felizes durante tal loucura. Lamentam ter regressado à razão e sonham poder viver eternamente nesta loucura. E apenas saboreiam um ligeiro gosto da felicidade futura!

Erasmo de Roterdão, in "Elogio da Loucura" (fala a Loucura)

Sunday, March 13, 2005

Pele é pele; 500 palavras para um blog

Toque é toque. Pele é pele. Repetia para si mesma estas palavras, incessantemente, tentando encontrar nelas um significado para o que sentia. Toque é toque. A explicação científica para a coisa apresentava-se-lhe evidente. São os receptores nervosos da pele (a que vulgarmente chamamos tacto) que enviam ao cérebro através de impulsos nervosos (como era… os canais de cálcio?) a mensagem “ Sinto algo”. Então porquê a vergonha? Deitada na cama, procurava a explicação. Pele é pele, não te preocupes mais com isto. Não quer dizer nada, não para ti. Mas e ela? Não conseguia ignorar a amiga a traçar-lhe letras devagarinho nas costas com a ponta do dedo.
“A”.
Porque tinha ficado, sabendo o que sabia? Porque não se tinha recusado a passar a noite na mesma cama que ela? Recordou a tarde em que a amiga lhe confessara o que sentia. Tinha tido vontade de rir, chorar e fugir ao mesmo tempo. Um misto de sensações e pensamentos invadira-lhe a mente, num turbilhão tal que a única saída possível fora fumar um cigarro, para intoxicar com o fumo as mil vozes que lhe habitavam o pensamento. Sentia um certo orgulho em ser o alvo daquele sentimento. Pensou com vergonha de si própria que se calhar era responsável por aquilo… Se calhar tinha-a seduzido. E lembrou-se das suas próprias palavras, anteriormente tão segura de si nas suas convicções. “O amor não tem sexo”, apregoava a quem quisesse ouvir. “A sexualidade é uma escala de cinzentos, não preto ou branco”. E agora, querida?
“M”.
De repente sentia o peso das perguntas, dos olhares, e sobretudo o peso de si própria a querer mandar às urtigas todas as frases bonitas e pôr-se a milhas daquela situação que lhe parecia no mínimo cinematográfica. Então porque ficara?
“O”.
Teria sido para provar a si própria que era totalmente livre de preconceitos? A certeza da sua arrogância sorriu-lhe, acenando com a cabeça. Mas outra máscara surgia na sombra, a do desejo. Perguntara-se como reagiria se a amiga tentasse algo, metade de si querendo que ela tentasse.
“T”.
Sentia o arrepio a percorrer-lhe a espinha, terminando nalguma zona recôndita do seu baixo-ventre. Não queria acreditar no que estava a sentir. Algo começou a crescer dentro do seu estômago, uma vontade de não estar ali, de se afastar, de repelir a mão cujo toque lhe dava tanto prazer. Quis poder respirar sem sentir o seu cheiro, mover-se sem encontrar o seu corpo. “Pára, pára, pára…”. Eram agora as palavras dentro da sua cabeça. A dimensão do seu erro era agora clara. Nunca poderia ser livre de preconceitos, não se isso significasse aceitar os seus próprios desejos escondidos. Nem queria a bandeira da liberdade sexual, quem tivesse estômago para isso que a levasse. Queria agora enterrar bem fundo aquela dimensão de si própria, fingir que nunca a tinha conhecido. Foi então que se levantou da cama, e correu até à casa de banho, onde vomitou tudo, excitação, prazer, vergonha, desejo, preconceito e bílis amarga.
“E”.

Saber Estar

"És impaciente e difícil de contentar. Se estás só, queixas-te da solidão; se na companhia dos outros, tu os chamas de conspiradores e de ladrões, e achas defeitos nos teus próprios pais, filhos, irmãos e vizinhos. No entanto, quando estás sozinho, deves falar em tranquilidade e liberdade e te considerares igual aos deuses. E quando estás em companhia numerosa, não a deves chamar de turba aborrecida ou ruidosa, mas de assembleia e tribunal, dessarte aceitando tudo com contentamento."
Epicteto, in 'O Festival Da Vida'

"Eu só estou bem onde eu não estou"
António Variações

Saturday, March 12, 2005

A primeira vez

A primeira vez é sempre muito dolorosa. Eu sempre pensei que seria incapaz. Precisei de meses para me preparar psicologicamente para dar este passo. Lembro-me que foi difícil, que custou muito... vieram-me as lágrimas aos olhos, a dor era intensa e real. Mas, entretanto, os anos passaram e agora já me habituei à depilação. Sim, depois de muitos pêlos arrancados a pele tornou-se insensível, já quase não dói. Claro que não guardo com carinho a minha primeira vez da depilação porque me doeu muito... ser bela é difícil, muito difícil!

Friday, March 11, 2005

Conversa produtiva!!!

Então como correu o fim-de-semana?
- Foi bom

Foste ver o filme X?
- Sim

E que tal?
- Foi fixe

hã....

Wednesday, March 09, 2005

A Estranha; 500 palavras para um blog

A estranha.
2 horas da manha, noite quente e abafada. O mercúrio do termómetro espreguiça-se languidamente até a uns mornos 28ºc, e a brisa sorrateira que insiste em sacudir o cortinado da janela como se fosse uma serpente deslizando entre as areias do deserto, vagarosa e traiçoeira, alternando convulsões mais violentas com ligeiríssimos volteios de noite embriagada. Através do ar sinto o aroma de um sentimento sujo, delinquente e infiel. Trago-o devagar. E enquanto as partículas doces e preciosas me penetram os pulmões, decido recomeçar. Agora sou eu quem decide.
Mais perto. Cada passo está mais perto da violência inocente, de quem vai escapar de si próprio. Mais perto. Deixo a carne banquetear-se com as sevícias adoradas da luxúria, com a interpenetração dos sentidos, com a violação de todas as proibições da moral, desprezando os códigos religiosos que me proíbem de estar mais perto do êxtase, perto de Deus.
Ajuda-me, estou incandescente por dentro. Ajuda-me, não quero parar de arder. Tu tornas-me especial, como a afinidade do sangue ao coração, como a cumplicidade do cérebro ao sexo, como a distância da razão à paixão, como a realização animalesca do meu corpo sobre o teu poder. Submissão. À medida que avançamos, e que se desvelam os segredos mais escondidos. Sei que tudo esteve escondido. Mas agora estamos a ver. A minha face nos teus olhos. Sei que a vês. Pois tu és como eu, nascida do medo e castração. Cubro a minha cara, não quero ver os meus olhos. Nesta noite que não passa, sinto o teu medo por mim. A tua face nos meus olhos, é tudo o que vejo. Porque tu vens donde eu venho, do mar profundo e sem vida. Cubro a minha face, não quero ver os teus olhos. Esquece toda a realidade. Abandona as tuas amarras e derruba as paredes que te confinam. És o meu medo, e vejo-te dentro dos teus olhos!
De novo, o gosto a vidro partido. E apenas restam os buracos negros, onde antes brilhavam as estrelas. E os primeiros enxames de anjos vem debicar e lamber os restos mortais dos sentimentos desumanizados da nossa existência. O teu grito sobe até aos pés do céu, para serem afastados pelo vento agreste da enorme indiferença de Deus para connosco. Fora de vista. Fora do horizonte. Fora da minha carne!
E os corações vazios dirão: o que é demais é demais!
Ai vem outra vez, o toque sedoso das cordas que me manietam e prendem à minha insaciável vontade de tudo devassar.
O sol está prestes a nascer. Não, ninguém é inocente aqui. Tenho que escolher quem vai pagar os estragos desta noite. Ao ritmo de uma rima infantil, aponto o dedo a ti e a mim e decido quem é o lobo e quem foi a ovelha.
Adivinha, ganhei o jogo! Podes pegar no dinheiro que está em cima da cómoda e ir-te daqui.
Tenho que me despachar, ainda hoje tenho que voltar para junto da minha família e ser um cidadão exemplar.

9 de Março de 2005,
Der Uberlende

Sunday, March 06, 2005

Quem é Helena Blavatsky?

Friday, March 04, 2005

Paragem temporária, espero eu!

Pouco tempo para escrever... poucas coisas para dizer... melhores dias virão...

Tuesday, March 01, 2005

O Código Da Vinci

Estou quase a acabar o dito... Honestamente não me viciou por aí além, tive até dias de paragem na sua leitura, não por falta de tempo mas porque não me apetecia. Robert Langdon é um personagem comum e não me despertou grande interesse. O que o safa é a muleta Sophie Neveau. A personagem que gostava de ver mais focada e explorada seria sem dúvida Jacques Saunière. Mas o livro também tem aspectos positivos! Dan Brown acaba magistralmente cada capítulo com um mistério que nos induz a devorar imediatamente o seguinte na ânsia de descobrir a tramóia. Outro ponto interessante e para mim o fundamental para eu continuar a ler O Código foi o conhecimento sobre os templários, a simbologia, o sagrado feminino, o Santo Graal... que me deu. Ok, podem não ser informações verdadeiras e sim manipuladas mas pelo menos abre-nos o bichinho da curiosidade de ler mais e estudar estas matérias. E depois o facto de pôr em causa toda a história dos evangelhos, abanando violentamente a igreja, é para mim simplesmente delicioso. Eu, a herege da família! O Código faz-nos pensar... faz-nos pôr em causa todas as nossas crenças e dogmas enraizados pela família desde a nascença. E é aqui que tiro o chapéu a Dan Brown! e não no enredo que até me cansou um bocadito!

Entrevista de Dan Brown aqui. Vale a pena ler!


 

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